segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

"Os juízes do trabalho são contra qualquer terceirização"

http://www.conjur.com.br/2012-jan-22/entrevista-renato-henry-santanna-presidente-anamatra
Para a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), 2011 foi o ano em que os juízes trabalhistas cruzaram os braços e suspenderam, ao lado dos juízes federais, as intimações e citações. O resultado, além do dia não trabalhado, foi nulo. As reivindicações — reajuste de vencimentos e melhorias na estrutura de trabalho e de segurança, dentro outras — não foram atendidas. Mas, como assegura Renato Henry Sant’Anna, presidente da entidade, a Anamatra não desistiu dessa briga.
Em entrevista à Consultor Jurídico, o juiz trabalhista de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, diz que defender uma remuneração digna para os juízes é defender sua independência. "A Anamatra se preocupa bastante com a questão salarial, que simplesmente ficou sem solução”. Segundo ele, houve uma perda de 25% do poder de compra dos rendimentos da magistratura trabalhista.
“Não estamos nem conseguindo manter o nosso padrão salarial. Uma das prerrogativas da magistratura é a irredutibilidade de vencimentos. Ninguém está na magistratura para ficar rico, mas o juiz precisa ter tranquilidade para exercer a sua função O que os juízes querem é o que todo trabalhador tem: uma política remuneratória previsível”, declarou.
Se a campanha salarial é uma preocupação para a magistatura, o mesmo não acontece com a suposta crise em torno dos poderes do Conselho Nacional de Justiça. Para o presidente da Anamatra, essa é uma não crise. Mesmo que o Supremo Tribunal Federal decida que o CNJ tem competência subsidiária à das corregedorias, isso não vai alterar o seu papel em matéria disciplinar, já que ele continuará com poderes para continuar cobrando ação dos tribunais. "São raros os casos disciplianres da Justiça do Trabalho que chegam ao CNJ, por isso não estamos preocupados com essa questão", diz Sant'Anna.
Muito mais preocupante, para ele, é a terceirização, uma tendência que avança em todos os setores da economia e que, para ele, não passa de um subterfúgio para o empregador contornar encargos trabalhistas e que conduz inevitavelmente à precarização das relações de emprego. E não existe uma terceirização aceitável: "Existe. Aquela que não termina batendo à porta da Justiça do Trabalho", responde.
Renato Henry Sant'Anna nasceu em 15 de março de 1966 em Campinas (SP). É bacharel em Direito pela PUC-SP. É mestre em Direito pela Universidade de Illinois (EUA) e tem especialização em Direito do Trabalho pela USP. Ingressou na magistratura do Trabalho em 1994. É professor de Direito e Processo do Trabalho na Unip. Foi eleito presidente da Anamatra, para um mandato de dois anos, no ano passado.
O presidente da Anamatra, acompanhado dos desembargadores trabalhistas Ana Paula Pellegrina Lockmann e Francisco Giordani, ambos do TRT-15, concedeu aos jornalistas Marília Scriboni, Lilian Matsuura e Márcio Chaer a entrevista que se segue:
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
ConJur – Quais são as principais preocupações do juiz trabalhista hoje?
Renato Sant'Anna - O juiz do trabalho continua focado na defesa do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, que são peculiares. A primeira atuação é na defesa deles. Já a pauta da Anamatra é, prioritariamente, corporativa: defesa das prerrogativas dos juízes. São as prerrogativas que nos permitem exercer com independência a magistratura. E que nos levam a defender uma remuneração digna e nossos direitos, digamos assim, financeiros. Estamos nessa batalha há muitos anos. A Anamatra tem, ao lado das outras associações de juízes, batalhado mais especificamente por uma política remuneratória que reconheça o que a Constituição nos garante de recomposição de valor. Precisamos de um mecanismo que remunere o juiz pela permanência dele por mais tempo na magistratura.
ConJur – Como o senhor vê essa guerra entre os tribunais e o CNJ?
Renato Sant'Anna – Para os juízes do trabalho, esse é um não assunto. Nós jamais fomos contra o CNJ. Muito pelo contrário: apoiamos sua criação. Entendemos que ele tem uma atuação basicamente positiva: cria critérios de transparência, de controles, de fixação de números — coisas que o Judiciário não tinha. O que acontece hoje é que criou-se um debate como se existisse um grupo favorável ao CNJ forte e um grupo que quer acabar com ele. Esse é um não debate para o juiz do Trabalho porque nós semore tivemos uma Corregedoria-Geral em Brasília. Ou seja, não é novidade para o juiz trabalhista ter uma Corregedoria-Geral no controle, fixada em Brasília. Parece que a atuação disciplinar do CNJ é até uma atividade secundária.
ConJur – Neste momento, qual é o principal papel exercido pelo CNJ?
Renato Sant'Anna – Para o juiz do Trabalho, o principal papel é organizar o Judiciário. É aí que ele dá retorno para a sociedade, não na parte disciplinar. Claro que a parte disciplinar precisa acontecer, a gente precisa ter algum tipo de controle sobre as corregedorias, seja concorrente, seja subsidiáriao. Todo órgão precisa ter algum tipo de controle, isso é da natureza da administração pública. Mas o que nós pensamos é que para o juiz do trabalho nunca preocupou essa atividade disciplinar do Conselho Nacional de Justiça. Temos informações, até extra-oficiais do CNJ, de que as reclamações e as denúncias envolvendo juízes do Trabalho são absolutamente residuais dentro da corregedoria.
ConJur – Mas a Anamatra também reclama contra o CNJ no Supremo. 
Renato Sant'Anna – Não nos preocupa a atividade disciplinar do CNJ, desde que ela seja feita seguindo as regras legais. A Anamatra patrocina duas ações no Supremo em relação ao CNJ. Uma delas é o Mandado de Segurança que pede a suspensão de uma investigação que a Corregedoria faz sobre todos os juízes, sobre todos os cônjuges e sobre todos os dependentes dos juízes. Nós entendemos que é uma investigação ilegal porque implicou quebra de sigilo fiscal e bancário dos juízes. O Supremo, em liminar, reconheceu que nós estamos certos.
ConJur – A ministra Eliana Calmon diz que não houve quebra de sigilo bancário. Inclusive, o relatório do COAF que foi enviado ao Supremo não traz dados pessoai.
Renato Sant'Anna – Não tive acesso às informações que a ministra prestou no Mandado de Segurança, mas me parece que a investigação começou com o envio ao COAF dos CPFs de todos os juízes. É óbvio: se você fornece o CPF e o relatório é feito, é quebrado o sigilo fiscal dos juízes. Essa é a nossa impressão. Se a ministra disse que não teve acesso a dados fiscais e bancários, eu não sei que investigação é essa que ela está fazendo. É o Supremo que vai dizer se essa investigação foi feita de acordo com as regras ou não. O que me chama a atenção é que a ministra se confessa apadrinhada política de Antônio Carlos Magalhães. Parece-me que a forma de atuação na investigação é muito semelhante porque o senador também fazia dossiês e divulgava dados parciais à imprensa. Uma investigação mal feita nos preocupa, porque depois ela é derrubada na Justiça e não gera resultado.
ConJur – Antigamente, receber salário atrasado era um ônus do caloteiro, de quem atrasou o pagamento. Neste momento, no entanto, as pessoas que estão recebendo salários atrasados é que estão sendo criminalizadas. Como explicar esse fenômeno? Por que faz tanto sucesso essa briga?
Renato Sant'Anna – A questão dos atrasados que os juízes estão recebendo gera uma curiosidade porque acaba sendo um valor substancial, em função do atraso. São valores devidos entre 1994 e 1997 e a dívida cresce em função da demora no pagamento. Os juízes do trabalho recebem esses valores em quatro parcelas anuais, com os valores incluídos no orçamento da União, com parecer favorável da AGU, reconhecendo a legitimidade do pagamento.
ConJur – Tem-se ideia de valores?
Renato Sant'Anna – Isso varia de juiz para juiz. Depende do tempo de serviço que a pessoa tinha à época. A própria ministra Eliana Calmon recebeu esse valor, cerca de R$ 400 mil. Ela recebeu de uma vez só. São valores que, mais ou menos, rondam por aí, entre R$ 400 mil e R$ 500 mil.
ConJur – O senhor diria que esse barulho enorme foi turbinado por questões pessoais, por divisões entre alas do Judiciário?
Renato Sant'Anna – Eu volto a insistir: não existe ala do bem e ala do mal nesse aspecto. Pelo contrário: quem está adorando essa briga são os poucos maus juízes, os desonestos. Eles estão sendo encobertos por uma suposta discussão do juiz ser a favor da transparência ou não, mas o meu salário está publicado no edital de cada concurso para juiz. O juiz não tem auxílio moradia, nem auxílio paletó. Nosso pagamento é absolutamente transparente.
ConJur – O auxílio moradia que se paga é residual?
Renato Sant'Anna – A discussão é um pouco técnica. Antes de 1994, os deputados ganhavam esse auxílio moradia, que eles diziam que era uma parcela indenizatória, sobre a qual eles pagavam, inclusive, imposto de renda. O que os juízes disseram? Na época havia paridade. “Se a gente tem que ganhar igual a um deputado, essa parcela que é paga a eles também tem que ser paga aos juízes”. Aquilo era uma forma indireta de se pagar salário. Hoje a gente tem um sistema de subsídio, em parcela única que, em princípio, não permite esse pagamento, embora os deputados tenham, ainda, algum tipo de auxílio moradia.
ConJur – E qual é a outra ação da Anamatra no Supremo?
Renato Sant'Anna – É uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, que  complementa o Mandado de Segurança. Ela questiona um artigo do regimento do CNJ que embasaria o poder que a ministra corregedora tem de requisitar informações e dados sigilosos. Para que o Mandado de Segurança tenha lógica, a gente precisa questionar o artigo do regimento que embasa as condutas que consideramos indevidas. Ou seja, o assunto é o mesmo.
ConJur – A Anamatra tem alguma relação com a ação da AMB que questiona os poderes do CNJ?
Renato Sant'Anna – Aquela ação é só da AMB. Isso não nos preocupa e nunca nos preocupou. Ainda que o Supremo diga que a concorrência é subsidiária, o mundo não vai acabar no dia seguinte. O CNJ vai continuar podendo atuar quando a corregedoria se demonstrar inerte. Ele tem a possibilidade de atuar em qualquer momento que achar necessário. As associações lidam com o CNJ de uma forma muito tranquila. Quando o CNJ avança o sinal, nós vamos ao Supremo e questionamos, dentro das regras do jogo. Existe também o abuso ao contrário: o excesso de rigor. Ovice-presidenteda da Anamatra [Paulo Luiz Schimdt] é ex-conselheiro do CNJ.
ConJur – Como deve ser feita a investigação? Ela deveria começar com uma denúncia contra o juiz?
Renato Sant'Anna – Qualquer estudante de primeiro ano que estudar Direito Penal sabe que todo procedimento criminal tem de ter uma causa. O próprio STJ acabou de anular uma investigação criminal, a operação Castelo de Areia, porque ela surgiu de uma denúncia anônima. Então, o STJ, do qual a ministra Eliana Calmon faz parte, acabou de anular toda uma investigação porque ela não teve uma causa legítima. O que nos parece é que as investigações têm que ser feitas com base em indícios. Por exemplo, o juiz apresenta sinais exteriores de riqueza. A Corregedoria recebe uma denúncia dizendo que o juiz fulano de tal anda com um carro assim, ele tem uma casa não sei aonde, ele vive cheio de dinheiro, etc? Vamos ver o que está acontecendo. Outro aspecto importante: quem é o maior parceiro da corregedoria e do CNJ que deve denunciar e mostrar? O advogado. Em cada processo, geralmente tem duas partes pelo menos. Um advogado fiscaliza a atuação do outro e a atuação do juiz. Havendo alguma coisa errada, esse advogado tem que levar a situação para análise. Os dados estão sendo divulgados de uma maneira generalizada.
ConJur – Estariam os fiscais da lei se omitindo? O CNJ está suprindo um espaço que o Ministério Público esvaziou?
Renato Sant'Anna – O Ministério Público tem também o seu próprio conselho, o Conselho Nacional do Ministério Público. Por natureza, o Ministério Público não atrai tanta atenção para esses assuntos internos. Todos os problemas que o Judiciário vive, os defeitos e as qualidades, também vão ser encontradas no Ministério Público. Mas, quando se fala em Judiciário, pensa-se em juiz.
ConJur – Por que ninguém reclama do Conselho Nacional do Ministério Público?
Renato Sant'Anna – Porque o Ministério Público suscita menos interesse da sociedade. O juiz também carrega o peso de decidir. Quando você decide, geralmente desagrada a uma das partes, quando não as duas. Um pouco desse ressentimento acaba surgindo e respingando na figura do juiz. Já o Ministério Público tem o papel de levar ao Poder Judiciário o problema.
ConJur – Se a repercussão dessa discussão é motivada por descontentamento, o volume estratosférico de processos na Justiça não demonstraria o contrário?
Renato Sant'Anna – O cidadão procura a Justiça porque confia nela e porque não tem outra opção. E, no Estado Democrático de Direito, não há outra opção. As pessoas só vão dar valor ao Poder Judiciário na hora em que precisam dele. Quem está aí patrocinando ou se divertindo com essa campanha contra o Judiciário, um dia vai precisar dele. E se encontrar um Poder Judiciário fragilizado, vai ter uma decisão de pior qualidade, com menos independência. Quando a gente defende as prerrogativas do magistrado, pode parecer apenas uma defesa de interesse próprio. Se o trabalhador não tiver como recorrer à Justiça do Trabalho, quem vai resolver o problema dele?
ConJur – Quais são as prerrogativas da magistratura que não estão sendo respeitadas?
Renato Sant'Anna – Acho que a principal prerrogativa do juiz é a independência. Independência não é só a pessoa ter tranquilidade para decidir como quiser, mas vai além disso. A Constituição colocou três garantias fundamentais para o juiz: a inamovibilidade, a vitaliciedade e a irredutibilidade de vencimentos. Nesse sentido, é preocupante a atual situação da magistratura. Desde 2006, nossos vencimentos perderam um quarto do poder de compra Alguns vão dizer: “Ah, mas o salário é alto em relação ao salário mínimo!”. Nós não queremos ser comparados ao salário mínimo, mas sim ao profissional que tenha a formação que tem um juiz, que tenha o nível de dificuldade que o juiz teve para chegar naquela posição por meio de concursos, por exemplo. Temos que comparar com o quê? Com um diretor jurídico, com um advogado razoavelmente bem sucedido... A retirada do nosso poder de compra é uma ofensa à nossa independência e à nossa prerrogativa.
ConJur – A Justiça do Trabalho carrega o estigma de defender o trabalhador, certo?
Renato Sant'Anna – É interessante ainda notar que essa é a grande acusação que se faz à Justiça do Trabalho. É o que se ouve. Nós rechaçamos essa acusação. Mas, não deixa de ser interessante que, em um país de tanta desigualdade, o juiz seja acusado de defender o mais pobre. Normalmente o que acontece e o que está no imaginário é que é o rico quem se dá sempre bem. Então, não deixa de ser um orgulho para a Justiça do Trabalho carregar um pouquinho disso.
ConJur – A ministra Rosa Maria Weber acaba de chegar ao Supremo. Qual o impacto dessa chegada?
Renato Sant'Anna – A indicação da ministra Rosa foi muito feliz porque o Supremo Tribunal Federal tem uma carga considerável de processos envolvendo o Direito do Trabalho. Cerca de um quarto das ações têm discussões desse tipo. Ou seja, não é verdade que o Supremo não se debruça sobre causas trabalhistas. Debruça, sim, e ainda que assim não fosse, a experiência da ministra Rosa é uma experiência de sensibilidade social.
ConJur – Neste ano começa a valer a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas. Hoje, um dos grandes problemas da Justiça do Trabalho é a execução. O senhor acha que isso vai resolver e dar agilidade e que as empresas vão começar a pagar os débitos trabalhistas por conta disso?
Renato Sant'Anna – Isso a gente só vai saber com os números. A ideia é excelente. O anteprojeto da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas saiu de dentro da Anamatra, em 2002. Na época, o diretor legislativo era o juiz Luciano Athayde Chaves, que depois veio a ser presidente da Anamatra. Acho que vai ajudar porque todo empecilho que você cria com um mau pagador provoca um efeito na adimplência. Gostaria de frisar, em relação à execução, que esse é um dos grandes problemas da Justiça do Trabalho. Os juízes do trabalho estão atacando o problema de todas as formas possíveis. No entanto, muitas vezes não depende do juiz. Na falta de dinheiro, não dá para o juiz tirar do bolso e pagar a execução. Se o executado não tem como pagar, o processo não anda.
ConJur – Em alguns casos, não há mesmo como resolver, não é?
Renato Sant'Anna – Precisamos criar mecanismos que impeçam chegar ao ponto de a empresa sumir e deixar alguém com a conta pendurada. Nesse sentido, a terceirização nos preocupa. Nós somos contra a terceirização porque ela é contra princípios de Direito do Trabalho, que é baseado na formação do vínculo entre trabalhador e empregador. A terceirização desvirtua essa situação. Muito da inadimplência na Justiça do Trabalho se deve à terceirização mal feita. Até órgãos públicos terceirizam, por conta do sistema de licitação, que privilegia o preço mais baixo. Não tem milagre: o preço mais baixo vai ter que gerar cortes de custo.
ConJur – O senhor acha que pode prevalecer o entendimento de que pode-se terceirizar a atividade meio, e não a atividade fim?
Renato Sant'Anna – Existe essa discussão dentro do Congresso, por meio de um projeto de lei que vai, digamos assim, regulamentar a terceirização. A Anamatra tem comparecido às audiências públicas e nós fomos contra. Nós vemos como a terceirização funciona. Quando ela dá problema, bate à nossa porta. A Anamatra é contra qualquer terceirização.
ConJur – O senhor falou em terceirização mal feita. Existe terceirização bem feita?
Renato Sant'Anna – Para o juiz do trabalho, a terceirização bem feita é a terceirização que não bate à porta dele.
ConJur – A terceirização é uma tendência mundial...
Renato Sant'Anna – Sim, e outras coisas existem no mundo inteiro que não são boas. Mal comparando, o crime também existe e não é por isso que não vamos lutar contra a existência do crime.
ConJur – Como a penhora online deve ser usada? Muitos advogados reclamam de abusos.
Renato Sant'Anna – Os abusos têm de ser combatidos no processo, embora não nos pareça que existam tantos abusos assim. A penhora sempre é um ato de força, seja de dinheiro, seja do carro ou do computador. A penhora online alcança, agora, pessoas que não eram alcançadas pelas penhoras normais. E isso gera um tipo de descontentamento. Antes, se você queria fazer uma penhora, o oficial de Justiça ia ao banco. Agora, isso é feito eletronicamente, o que é mais efetivo.
ConJur – Qual o índice de execução frustrada?
Renato Sant'Anna – De cada dez, só três recebem. É um índice considerável, mas existe um percentual que não tem solução. No Brasil não há prisão por dívida, então não há o que fazer. Uma grande parcela é devida à terceirização.
ConJur – Temos visto que a terceirização é forte no Ministério da Justiça e na Polícia Federal. Quem é que arbitra a terceirização no serviço público?
Renato Sant'Anna – O terceirizado é um empregado privado. Hoje, o Supremo discute qual é a responsabilidade do contratante estatal quando ele terceiriza. De acordo com a Justiça do Trabalho, alguém tem que pagar a conta se o negócio der errado. Prevalece no Supremo uma visão mais fazendária, no sentido de que o Estado não vai pagar a conta, porque ele licitou e fez a parte dele. Essa é uma distorção do Direito do Trabalho, porque o empregado trabalha na empresa, ele não quer saber se está trabalhando para dez empresas. Além disso, qual o sindicato dele? Não dá para saber qual é atividade da empresa empregadora. Dentre os terceirizados, o número de acidentes do trabalho, por exemplo, é maior.
ConJur – Por que isso acontece?
Renato Sant'Anna – É claro que há uma precarização da condição dele. Esse dado é científico: há mais acidente de trabalho por terceirizado. Para a empresa terceirizada ganhar dinheiro, tem que sair da onde? Diminuição do custo do empregado. Às vezes, ele nem sabe lidar com os equipamentos.
ConJur - Mesmo assim o número de sindicatos aumenta muito no país e essa discussão acaba indo parar na Justiça do Trabalho de novo.
Renato Sant'Anna – É da natureza do sindicato haver disputa de representação. Encaramos isso com naturalidade.
ConJur – O número de ações repetitivas na Justiça do Trabalho é grande?
Renato Sant'Anna – A Justiça do Trabalho tem uma peculiaridade. Primeiro: não temos tantas ações repetitivas. Cada caso é um caso. Segundo: nunca, em uma ação trabalhista, o empregado pede apenas uma coisa. São sempre umas dez. Então, naquele monte de papel, tem dez coisas ali sendo pedidas. Todas as ações cumulam pedidos e cada um deles precisa ser analisado. A Justiça Comum e a Justiça Federal  têm um percentual razoável de pedidos únicos.
ConJur – Um exemplo é o cálculo de horas extras no teletrabalho?
Renato Sant'Anna – O teletrabalho já vinha originando ações na Justiça. Com a lei, vai suscitar o tema e fazer surgir mais. Não faz diferença se ele está na casa dele, caso esteja trabalhando. Isso vai ser analisado caso a caso.
ConJur – Pra comprovar, tem que analisar caso a caso.
Renato Sant'Anna – Essa questão da ação repetitiva é um problema. Em um primeiro momento, elas até podem ser iguais. Mas não há dois casos iguais na vida.
ConJur – Depois que o STJ decidiu, como questionar uma súmula?
Renato Sant'Anna – Essa discussão vai ser eterna. O precedente às vezes não é exatamente igual ao caso. Assim também é a questão da súmula. Precisamos de mais leis ou mais súmulas? Dos dois. Como é que depois eu vou mudar a súmula, depois que ela virar súmula? É preciso um mecanismo para mudar isso. Ninguém pensa em sistemas que valorizem mais as decisões de primeiro grau. Talvez a grande solução seja essa. Por que todo mundo tem que ficar recorrendo?
ConJur – Aumentar o número de juízes ajudaria?
Renato Sant'Anna – A Justiça do Trabalho tem crescido e precisa crescer. Ela não depende só de demanda. Tem de estar acessível também. Muitas vezes, no interior da Amazonas, falam: “Ah, mas lá só tem 300 processos por ano”. Mas precisa ter uma vara, porque se não tiver Justiça do Trabalho, vai valer a lei do mais forte. A simples presença dela com acessibilidade do trabalhador inibe o empregador de abusar do empregado. Isso impede que aquele conflito, às vezes, vire um processo criminal, porque se a pessoa faz e não recebe, ela vai cobrar.
Marília Scriboni é repórter da revista Consultor Jurídico.

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