segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Crime e castigo na visão do autor de Elite da Tropa


Justiça criminal e segurança pública são temas que sempre dividem opiniões, frequentemente defendidas com paixão e sustentadas com bons argumentos, o que não significa um empate técnico. Há um certo senso comum que pende para o lado "conservador" da discussão e que se alimenta de experiências pessoais para formar um pensamento coletivo.  "É natural reagir à violência com ideias e ações que reproduzem, em alguma medida, a selvageria do ato violento, sob a forma de resposta ou punição", admite o antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares, eterno crítico do sistema prisional, que volta ao mercado editorial com o título Justiça - Pensando Alto sobre Violência, Crime e Castigo, com novos e antigos argumentos, mas com um desafio bem maior: tentar convencer o cidadão comum de que a prisão, como retribuição ou vingança por alguma outra violência cometida, não faz bem e tampouco pode melhorar alguém.
O autor não desconhece a dificuldade nem o fato de que penas mais longas e severas, com a prisão perpétua, a pena de morte ou até mesmo o linchamento aparecem no imaginário coletivo como respostas quase automáticas. Mas recusa-se a afastar-se um milímetro que seja dos princípios que defende há pelo menos três décadas, parte delas como integrante do sistema que sempre combateu. Considerado por muitos como um dos maiores especialistas do país em segurança pública, Luiz Eduardo Soares foi Secretário de Segurança Pública no Rio de Janeiro durante o governo de Anthony Garotinho e ocupou a Secretaria Nacional de Segurança Pública no governo Lula. Tem vários livros publicados, com destaque para Elite da Tropa e Elite da Tropa 2 e Meu Casaco de General.
Nos dois primeiros contou com a ajuda de André Batista e Rodrigo Pimentel, dois profundos conhecedores do explosivo subterrâneo sobre o qual paira a Cidade Maravilhosa, para descrever e ambientar as "façanhas" do BOPE, o batalhão de operações especiais da Polícia Militar fluminense, escancaradas também no cinema. No outro, foi combatente solitário ao narrar os 500 dias no comando da Segurança Pública do Rio de Janeiro, um período encerrado com uma espetacular demissão pelo então governador Garotinho durante uma entrevista transmitida ao vivo pela TV.
Em que pese a experiência adquirida também no campo editorial, Luiz Eduardo Soares elege Pensando Alto sobre Justiça como o livro mais difícil que já escreveu e também o que consumiu mais esforço. Ele diz que a ideia do livro surgiu de uma conversa com um motorista de táxi chocado com o assassinato de um colega durante um assalto - nada que qualquer um de nós não tenha ouvido antes, em circunstâncias bem parecidas. Passaram-se cinco anos desde a conversa, mas, de certa forma, é como se ele ainda permanecesse no taxi expondo argumentos que, reconhece, contrariam o senso comum e não amenizam a revolta de ver um companheiro de trabalho barbaramente assassinado.
Mas o fato de ter estado dos dois lados do balcão e conhecer não apenas os efeitos da violência urbana sobre o cidadão comum e na sociedade como um todo, mas os bastidores onde são definidas as políticas públicas para combater o grande flagelo dos dias atuais pesam na tentativa. "Um dia, no futuro, a prisão será vista com o mesmo horror com que hoje contemplamos torturas, suplícios, espetáculos públicos de humilhação e destruição física aplicadas aos condenados até o século XVIII, na Europa", imagina. "O fato de a prisão ser menos má do que aqueles rituais medonhos do passado não a torna algo civilizado".
Soares admite, no entanto, que entre o futuro por ele imaginado e a dramática realidade atual, embora "bárbara", a prisão ainda é necessária. "Pelo menos até inventarmos uma solução melhor para afastar do convívio social aquelas pessoas que praticaram atos violentos e que ameaçam os direitos e a integridade dos outros", diz. Não significa que a saída seja cruzar os braços e esperar, mas agir no sentido de reduzir os danos gerados por um sistema prisional que considera arcaico. Um passo nesse sentido, talvez esteja em curso: entender a prisão como a última opção, aplicável quando - e somente quando - se mostrar inviável qualquer outra solução. "Ela não deveria ser usada para condenados por crimes que não envolvem violência", defende Soares.
As mudanças sugeridas por ele não são apenas institucionais. Passam pela própria visão com que a sociedade, tanto quanto o sistema, encaram o condenado. Para ele, o criminoso foi criminoso em um determinado momento e deve responder por isso, reparando, na medida do possível, o dano provocado. Isso não significa que a condição de "criminoso" seja sua "qualidade única e permanente, aquela que traduz o que ele verdadeiramente é". Nesse sentido, Soares considera que a prisão suprime o tempo para o autor do ato criminoso ("ele não fez, ele é") e anula todas as possibilidades de transformação, inerentes ao ser humano. "Esse tipo de aprisionamento do ser em um ato, que vem junto com a prisão de uma pessoa, não contribui para mudança alguma, mas, ao contrário, pressiona no sentido da repetição", compara.
O táxi vai chegando ao destino e o antropólogo, cientista política e escritor, sabe que a caminhada em busca de uma justiça "mais voltada para o futuro do que para o passado" não permite descanso e promete continuar "pensando alto" na tentativa de desfazer uma a uma as certezas do senso comum. "Permaneço insatisfeito e experimentando, buscando novas formas de pensar e contribuir com o esforço coletivo por um país menos injusto, violento, preconceituoso e hipócrita".

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