Por Mário de Andrade Macieira*
No processo de democratização do Brasil, inaugurado verdadeiramente com a Ordem Constitucional de 1988, o Estado brasileiro foi aberto ao controle da sociedade.
A independência do Ministério Público, o redimensionamento dos órgãos de controle interno e externo da Administração Pública, o livre funcionamento da Imprensa, a composição plural e proporcional das casas parlamentares, a liberdade de associação e de organização da sociedade, a autonomia e a liberdade sindicais, enfim, todos esses fatores foram preponderantes para que padrões de transparência fossem efetivamente implementados no Estado brasileiro.
Pois bem, num primeiro momento, o Judiciário ficou de fora. Ou seja, muito embora os olhos da vigilância democrática da sociedade tenham sido postos sobre o Executivo e o Legislativo, o Judiciário permaneceu sendo um setor do Estado brasileiro infenso a controles, fechado em si mesmo, sem diálogo democrático com a sociedade e sem qualquer forma de responsabilização de juízes e funcionários.
Mesmo os meios de recrutamento do pessoal, por concursos legítimos, baseado na meritocracia e na impessoalidade, demoraram muito a serem efetivamente adotados e, ainda hoje, há sérios questionamentos acerca de concursos realizados por alguns tribunais.
É preciso dizer que o Estado brasileiro, historicamente, se estruturou obedecendo ao modelo geral do patrimonialismo brasileiro, na confusão entre a rua e o jardim, entre a praça e o quintal, entre o público e o privado.
Com o Judiciário não foi diferente. Exemplos vários podem ser citados, desde a distribuição a amigos e apaniguados de serviços notariais, de registro e de serventias judiciais, passando por arremedos de concurso para magistratura e nomeação direta, a título precário pessoal de oficiais de justiça e diretores de secretarias judiciais pelos “donos do poder”, usualmente magistrados de segunda instância que abrigavam, sob as generosas asas do Poder Judiciário, filhos, esposas, sobrinhos e afilhados num festival de nepotismo, afilhadismo e descontrole, fatos que são notórios e de conhecimento geral e fazem parte da história.
A título de exemplo, cabe lembrar que, no Maranhão, o primeiro concurso público para funcionários do Tribunal de Justiça se deu já no século XXI, mais de 10 anos depois da vigência da Constituição, e os serviços de notariais e de registro só recentemente passaram a ser ocupados por titulares concursados. Na Justiça do Trabalho, quando foram denunciados os casos de nepotismo que se espalhavam por todos os tribunais trabalhistas brasileiros, os conflitos, daí surgidos, foram de tal ordem que até casos de agressão foram presenciados.
Esse quadro somente começou a ser transformado com a chamada Crise do Judiciário, que resultou numa CPI do Congresso Nacional que, entre outros fatos, investigou as falcatruas do Juiz Nicolau dos Santos Neto na construção do fórum trabalhista de São Paulo.
Após a CPI e seus resultados, veio a Emenda Constitucional 45, de 21/12/2004, e com ela, finalmente a criação de um órgão de fiscalização e controle do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça.
A atuação do CNJ, a partir de 2005, determinou, é inegável, uma mudança qualitativa no Judiciário brasileiro.
O CNJ criou o banco de dados do Poder Judiciário, que permite uma real perspectiva do número de feitos, dos índices de demora processual, da produtividade de juízes e tribunais, dos custos da Justiça no Brasil, etc. O conhecimento desses dados permite a melhoria da gestão, um melhor planejamento e direcionamento dos investimentos, mecanismos mais efetivos sobre as atividades de magistrados e servidores, dentre outros avanços.
O CNJ impôs que se desse efetivo cumprimento à Constituição, ao determinar, em todos os tribunais do País, a realização de concurso público para os serviços notariais e de registro, permanecendo nos seus cargos, vitalícios, apenas os notários que já receberam suas delegações antes da promulgação da Carta.
Também foi o Conselho Nacional de Justiça que editou a Resolução anti-nepotismo, questionada no Supremo Tribunal Federal por magistrados que, pasmem, favoráveis ao absurdo, impugnaram sua validade. O STF, então, editou a Súmula Vinculante 13, a não deixar pedra sobre pedra e a afastar aquela chaga do Judiciário, ainda não completamente extirpada, mas já em muito diminuída.
Vieram os casos rumorosos de punição de magistrados, pela Corregedoria Geral do Conselho Nacional de Justiça. No Maranhão, vários juízes foram afastados ou sofreram punições. Não fosse a atuação do CNJ esses magistrados ainda estariam na judicatura e, quem sabe, alguns já tivessem ascendido ao desembargo.
Aliás, aqui vai uma questão, desembargadores não se submetem aos poderes correicionais dos seus próprios tribunais, daí que, sem o CNJ, não seria possível responsabilizar magistrados de segundo grau.
Efetivamente, o CNJ vem se mostrando um avanço na construção de um Judiciário melhor, mais republicano, mais transparente.
Magistrados também são servidores públicos e, como tais, numa república, também podem, e devem, ser responsabilizados pelos atos que praticarem, em desconformidade com a Lei, no exercício de suas funções. Nada há nisso que devesse espantar os cidadãos de uma nação democrática. Nada há de excepcional que pudesse agastar os píncaros do próprio Poder Judiciário.
Postas essas bases, cumpre deixar a questão: a quem interessa manietar o Conselho Nacional de Justiça? À sociedade não interessa, não interessa aos jurisdicionados, nem aos advogados. Presumo que não interesse aos bons magistrados nem aos bons funcionários da Justiça. A quem interessaria voltarmos ao monstruoso leviatã que era o Judiciário brasileiro antes do CNJ?
* Advogado, Presidente da OAB/MA
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