domingo, 14 de abril de 2013

Em 10 anos, programa de cisternas fez menos da metade do que prometeu

Letícia Lins (Email · Facebook · Twitter)
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Ana Paula Ferreira da Silva, 39, moradora do sí­tio Cabugi, ainda consome a água
Foto: Agência O Globo / Hans von Manteuffel
Ana Paula Ferreira da Silva, 39, moradora do sí­tio Cabugi, ainda consome a água Agência O Globo / Hans von Manteuffel
CUMARU (PE) — Resultante de uma das maiores mobilizações da sociedade civil contra a seca, o Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC), lançado há dez anos, ainda não conseguiu atingir sua meta, que deveria ter sido alcançada em 2008 e ajudaria a amenizar os impactos da maior estiagem dos últimos 50 anos. De acordo com levantamento da Articulação do Semiárido (ASA), rede formada por organizações da sociedade civil que coordenam o projeto com apoio do governo federal, elas somavam 419.178 até fevereiro deste ano, beneficiando cerca de 2,1 milhões de pessoas.


O programa, que conta com doações da iniciativa privada, depende principalmente do governo federal. E, segundo a ASA, foi justamente a inconstância dos repasses públicos que causou atraso no P1MC.
Em 2011, o governo federal lançou iniciativa própria para acelerar a construção de cisternas: o programa Água Para Todos. Desde 2011, no entanto, dos R$ 2,9 bilhões previstos para serem gastos até 2014, apenas 28% foram investidos e 270 mil reservatórios de água entregues. Mesmo assim, o Ministério da Integração Nacional afirma que, até o fim do mandato da presidente Dilma Rousseff, entregará 750 mil equipamentos.
Além de sofrer com atrasos, as iniciativas de entrega de cisternas à população ainda enfrentam outro problema: a rejeição de moradores e de algumas prefeituras a um dos tipos de cisternas comprado pelo governo federal. As feitas de polietileno, que totalizam até o momento 56 mil do total já entregue e custam mais do que as tradicionais, de placa (R$ 5.090 ante R$ 2.200).
No município de Cumaru, no agreste do estado de Pernambuco, a 110 quilômetros da capital, pelo menos 95% das famílias residentes na área rural já contam com cisternas de concreto. E a população decidiu não aceitar as de plástico. De acordo com os moradores, as industrializadas duram pouco, deformam com o calor e não há orientação adequada quanto ao seu manejo. A rejeição já chegou até aos ouvidos da presidente Dilma. Em sua última visita a Pernambuco, quando esteve no município sertanejo de Serra Talhada, o presidente da Federação de Trabalhadores de Agricultura, Doriel Saturnino de Barros, reclamou das cisternas industrializadas distribuídas pelo governo.
— A presidente realmente mostra disposição de universalizar o acesso à água. Mas com a velocidade que estamos precisando e com as dificuldades impostas até mesmo ao transporte das de PVC, não há como fazer tão rápido. Tem sido complicado para instalá-las, principalmente em áreas de difícil acesso no meio da caatinga, onde os caminhões não chegam. A partir da leitura deles (do governo), a de plástico é implantada com maior rapidez. Mas também é mais cara e não está suportando o solo quente do sertão, tanto que muitas já estão amassando — conta Barros.
— As de plástico não vêm suportando os altos índices de insolação da região, amolecem com o calor e a impressão que dão é que estão derretendo. Não são poucas as amassadas pelo sertão afora. E o trabalhador não sabe como fazer manutenção, até porque ela não vem com kit durepoxi — ironiza Givanilson Porfírio da Silva, presidente do Instituto de Cidadania do Nordeste e assessor da Confederação de Trabalhadores da Agricultura do Brasil (Contag).
Moradora do Sítio Pedra Branca, onde vem resistindo bravamente à seca — preservando seus bichos e produzindo mel e queijo — Joelma da Silva Pereira, de 36 anos, desafiou a Ministra Tereza Campelo, em recente reunião do Conselho de Segurança Alimentar, em Brasília.
— Ninguém aqui confia nessas cisternas plásticas. Tem família que mora em alto de colina e não se sabe como o caminhão vai chegar lá para levá-las. Já as de placa, a gente faz cavando o chão, instala em qualquer lugar e se for preciso, carrega cimento em lombo de jumento, que o bicho sobe em qualquer canto. O material é comprado no município, onde o dinheiro fica circulando. A mão de obra aproveitada é a local. Com as de plástico, isso não ocorre e o dinheiro vai para uma indústria só — reclama.
Plantação perdida por conta da seca
Para quem não tem quase água, as cisternas representam muito, matam a sede mas ainda não são tudo. É preciso também fazer a água chegar aos sítios, às fazendas, às torneiras ainda raras na zona rural do agreste e do sertão. O governo federal garante que a água vai chegar, que está investindo R$ 20,12 bilhões em adutoras, barragens e poços que vêm sendo construídos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). E se obras grandiosas como a transposição do rio São Francisco se arrastam a passos lentos, pequenas intervenções vêm mudando a vida do sertanejo, através de tecnologias simples mas que garantem água para o plantio e para o gado.
Da mesma forma que foi deflagrado o P1MC, agora o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) vem sendo gerido pela Asa. Tecnologias desconhecidas pelo homem do Sul, começam a ficar populares no sertão onde já foram implantadas 13.150 cisternas calçadão, 1.230 cisternas enxurrada, 724 barragens subterrâneas, 700 barraginhas, 1.650 barreiros trincheira, 640 tanques de pedra e 508 bombas de água populares. Moradora do sítio Cabugi, Ana Paula Ferreira da Silva, de 39 anos, três filhos, ainda está consumindo a água acumulada em sua cisterna doméstica durante o inverno de 2011:
— Em 2012, ela (cisterna doméstica) pegou uma “chuvadinha” mas foi pouca.
Ela tem outra cisterna de 52 mil litros, com a qual está garantindo a água do jumento e de dez bovinos. Perdeu os frutos do plantio de acerola, coco, romã, ervas e pitanga porque não usou a água “com medo de secar”. Comprou recentemente água de um caminhão-pipa e mandou derramar em um barreiro (pequeno açude) para ter mais água para o gado. O marido dela acaba de furar um poço, porque quer ter lavoura o ano todo. Mas a água ficou salobra.
— O sonho dele é um dessalinizador, mas é muito caro


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