Janela para o mundo
Uma pesquisa feita com 200 presos no Complexo da Papuda, em Brasília, revelou que 70% dos internos tem o hábito de ler em média de dois a quatro livros por mês. Os pesquisados já tinham o hábito de leitura antes da prisão, mas o confinamento intensificou a frequência. A conclusão é da pesquisadora Maria Luzineide Costa Ribeiro, responsável por mapear a prática dentro do presídio.
“Os resultados da pesquisa apontaram para a predisposição do preso à leitura, um movimento contrário ao observado na leitura extramuros, que convive com o pouco interesse e outros fatores complicadores desse processo de formação”, afirma a pesquisadora em sua tese. Segundo ela, a leitura representa uma forma de ocupar o preso e mantê-lo calmo.
A pesquisa foi feita para um curso de mestrado em Letras na Universidade de Brasília. O interesse pelo hábito de leitura dos internos surgiu com a experiência da pesquisadora como voluntária e profissional que atuou durante anos no Sistema Penitenciário do Distrito Federal. Nesse período, Maria Luzineide observou que os internos tinham o hábito de ler, mesmo encarcerados e sem o incentivo adequado.
De acordo com o levantamento, 61% dos internos leem, em média, de dois a três livros mensalmente, e 9% leem quatro ou mais títulos. Para a maioria, o interesse pela leitura está relacionado com o conhecimento formal. Os que não possuem o hábito de leitura, culpam a ausência de orientação e a falta de estrutura psicológica devido à prisão. Outro fator considerado empecilho é a falta de acesso aos livros.
Entre as motivações para ler, 54% responderam que mantêm o hábito de leitura como uma ampliação da visão do mundo, facilitando a convivência com outras pessoas. Para 38%, a atividade está relacionada ao prazer.
“Constatou-se que a literatura, além de ser vinculada ao conhecimento, também significa a possibilidade de se escrever melhor e ter sucesso profissional. Ainda, uma parte significativa do grupo acredita que uma pessoa bem informada se torna menos agressiva e, consequentemente, se relaciona melhor com os outros. Verifica-se, também, no discurso do interno, a visão da literatura como uma forma de se acalmar, diminuir a tensão do ambiente prisional. Afinal, como apontado pela maioria, a literatura tem como exigência estar consigo mesmo”, conclui Maria Luzineide na pesquisa. Ela explica que a leitura é uma fator importante na ressocialização, pois permite que o preso se afaste do mundo associado ao crime, aumentando sua capacidade crítica e o contato com outra realidade.
A pesquisadora observou que o hábito de leitura na infância é fundamental e 44% dos entrevistados tiveram esse contato. Porém, 56% eram estimulados pelos pais a assistir TV como forma de entrenimento. Segundo a pesquisa, 94% dos internos não tinham interesse pela escola ou literatura durante a adolescência, e passavam o tempo utilizando drogas e cometendo pequenos furtos.
Apesar do ambiente superlotado — dados levantados indicaram que a ocupação média de cada cela está em torno de 15 a 16 internos comprimidos num espaço de 18m², em alguns casos, dormindo próximos ao banheiro —, constatou-se pelo estudo que o espaço de leitura na prisão se restringe à cela, em virtude da segurança e da rotina carcerária. O preso lê com mais frequência nesse espaço.
Hábito femininoA pesquisa também foi feita no Presídio Feminino do Distrito Federal, conhecido como Colméia. De acordo com o levantamento, 80% das detentas são leitoras assíduas, mas, diferentemente dos homens, a prática da leitura não se deve à prisão e ao tempo ocioso. A pesquisa mostra que apenas 10% lê para ocupar o tempo, enquanto 60% diz que lê para adquirir conhecimento.
“Um dos aspectos positivos da leitura no cárcere é a possibilidade de ocupação para a mente e diminuição do tempo, além de melhorar a convivência. O momento reservado à leitura é à noite, na cela”, explica Maria Luzineide em sua tese.
Dentre os livros mais procurados no presídio feminino estão os de autoajuda e os religiosos. Entre os títulos mais movimentados estão os livros espirituais de Zíbia Gaspareto e os romances.
Hábito de leituraDe acordo com a pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil", feita pelo Instituto Pró-Livro e Ibope Inteligência entre junho e julho de 2011, o brasileiro lê em média quatro livros por ano, entre literatura, contos, romances, livros religiosos e didáticos.
Hoje, o Brasil é composto por 50% de leitores ou cerca de 88,2 milhões de pessoas. Nesse conceito, foram considerados leitores apenas as pessoas que leram pelo menos um livro, inteiro ou em partes, nos últimos três meses.
Assim como dentro da prisão, a pesquisa constatou que é maior o índice de leitoras no país, com 53%, enquanto que o sexo masculino representa 43%.
Veja abaixo os livros mais lidos entres os presos do DF:
Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.
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