sábado, 29 de setembro de 2012

Longo caminho até a democracia

Do voto censitário à urna eletrônica, a história das eleições no Brasil


Desde os tempos do Império até os dias de hoje o país conheceu diversas experiências em seu processo por uma democracia. Mas seria a Proclamação da República, em 1889, que inauguraria um novo período da legislação eleitoral no Brasil. A primeira inovação eleitoral – e talvez uma das mais importantes – foi o fim do voto censitário, com tipos de restrições.
A primeira Constituição Republicana criaria no cenário eleitoral o sistema presidencialista, em que o presidente e o vice-presidente deveriam ser eleitos pelo sufrágio direto da nação, por maioria absoluta de votos, atribuindo ao Congresso Nacional a regulamentação do processo eleitoral para os cargos federais em todo o país, e aos estados a legislação sobre eleições estaduais e municipais. Só em 1916 que o então presidente Wenceslau Brás sancionaria a Lei nº 3.139, que entregou ao Poder Judiciário o preparo do alistamento eleitoral.

“O início da República é marcado pela existência de um Poder Executivo forte e centralizado, sem funcionamento do Congresso Nacional. Os dois primeiros presidentes - Deodoro da Fonseca e  Floriano Peixoto - tiveram origem no Exército, foi o período conhecido como República da Espada. O voto passou a ser universal e masculino, mesmo assim 95% da população não votava, pois estavam excluídos as mulheres, os analfabetos, os menores de 21 anos, soldados, padres e mendigos. O voto era a descoberto, não existia cabine indevassável ou sigilo do voto”, conta Mauricio Duarte, presidente da Comissão Regional do Projeto Memória do Rio de Janeiro.
história das eleições (Foto: Divulgação / TRE-RJ)A presença das mulheres nas eleições
(Foto: Divulgação / TRE-RJ)
Teoricamente, a Constituição não fazia restrições étnicas ao direito ao voto, mas a exclusão de analfabetos limitava a participação de negros e pobres. “Como a fraude era uma tônica das eleições oligárquicas, os coronéis costumavam garantir que os trabalhadores aprendessem a 'desenhar' o nome. À vista dos capangas e dos patrões, o eleitor pobre assinava o nome no livro da ata da votação. Por isso, o voto aberto e controlado por políticos e seus padrinhos ficou conhecido como voto de cabresto”, lembra.
Duarte acrescenta ainda que, mesmo depois de eleito, um deputado federal tinha seu diploma confirmado por uma Comissão Verificadora, composta por membros do Congresso Nacional, todos escolhidos pelo presidente temporário da Câmara de Deputados. E a não confirmação do diploma de eleito era chamada, na gíria da época, de “degola”.

Depois da Revolução de 1930, um dos primeiros atos do governo provisório foi a criação de uma comissão de reforma da legislação eleitoral, resultando no primeiro Código Eleitoral do Brasil. O Código Eleitoral de 1932 criou a Justiça Eleitoral, que passou a ser responsável por todas as iniciativas afins – alistamento, organização das mesas de votação, apuração dos votos, reconhecimento e proclamação dos eleitos.
O código ainda introduziria o voto secreto, o voto feminino e o sistema de representação proporcional, em dois turnos simultâneos. Pela primeira vez, a legislação eleitoral fez referência aos partidos políticos, mas ainda era admitida a candidatura avulsa. Esse código já previa o uso de máquina de votar, o que só veio a se efetivar na década de 1990. As críticas ao Código Eleitoral de 1932 levaram, em 1935, à promulgação de segundo Código brasileiro, a Lei nº 48.
Na contramão da tendência democrática, em 10 de novembro de 1937, o presidente Getúlio Vargas anuncia a "nova ordem" do país. Outorgada nesse mesmo dia, a Constituição de 1937 extinguiu a Justiça Eleitoral, aboliu os partidos políticos existentes, suspendeu as eleições livres e estabeleceu eleição indireta para presidente da República, com mandato de seis anos.
história das eleições (Foto: Divulgação / TRE-RJ)A criação do TRE do Distrito Federal
(Foto: Divulgação / TRE-RJ)
Essa "nova ordem", o Estado Novo, sofre forte oposição, e em 1945 Getúlio anuncia eleições gerais, lançando Eurico Gaspar Dutra, seu ministro da Guerra, como candidato. Oposição e cúpula militar se articulam e dão o golpe de 29 de outubro de 1945. Os ministros militares destituem Getúlio e passam o governo ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Linhares, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), até a eleição e posse do novo presidente da República, o general Dutra, em janeiro de 1946.
O processo de restabelecimento do sistema democrático no Brasil tem início ainda no final do Estado Novo e é consolidado durante o Governo Dutra. Apesar da repressão, é intensificada a luta pela redemocratização no início de 1945. Pressionado, Getúlio Vargas faz editar a Lei Constitucional nº 9/45, que altera diversos artigos da Constituição, inclusive os que tratavam dos pleitos, tornando a convocar eleições.
A Justiça Eleitoral seria restabelecida pelo Decreto-Lei nº 7.586/45, regulando em todo o país o alistamento eleitoral e as eleições. Na esteira da redemocratização, já com a Justiça Eleitoral reinstalada, foram empossados o presidente Eurico Gaspar Dutra e a Assembléia Nacional Constituinte de 1945. Promulgada a Constituição, em 18 de setembro de 1946, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal passaram a funcionar como Poder Legislativo ordinário.
“Em todo o país, o voto feminino seria garantido no Código Eleitoral de 1932 e na Constituição de 1934. Mas mulheres só votariam pela primeira vez para a presidência após o fim da ditadura Vargas, em 1945”, destaca o presidente da comissão regional.
A Constituição, a exemplo da de 1934, consagra a Justiça Eleitoral entre os órgãos do Poder Judiciário e proíbe a inscrição de um mesmo candidato por mais de um estado. O Código Eleitoral de 1945, que trouxe como grande novidade a exclusividade dos partidos políticos na apresentação dos candidatos, vigorou, com poucas alterações, até a edição do Código Eleitoral de 1950.
A legislação eleitoral, no período entre a deposição de João Goulart (1964) e a eleição de Tancredo Neves (1985) seria marcada por uma sucessão de atos institucionais e emendas constitucionais, leis e decretos-leis decretados pelo Regime Militar. O regime alterou a duração de mandatos, cassou direitos políticos, decretou eleições indiretas para presidente da República, governadores dos estados e dos territórios e para prefeitos, instituiu as candidaturas natas, o voto vinculado, as sublegendas e alterou o cálculo para o número de deputados na Câmara, com base ora na população, ora no eleitorado.
Em julho de 1965, é aprovada a Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei nº 4.740), e poucos meses depois é o AI-2 que extingue os partidos políticos. Ainda no mesmo ano, o Ato Complementar nº 4 determinaria ao Congresso Nacional a criação de organizações com atribuições de partidos políticos, o que deu origem à Arena e ao MDB. O AI-5, de 13 de dezembro de 1968, suspendeu as garantias da Constituição de 67 e ampliou os poderes ditatoriais do presidente da República, permitindo, em 1968, o recesso do Congresso Nacional. A essa realidade se somaria a Lei Falcão (Lei nº 6.339/76), restringindo a propaganda eleitoral e impedindo o debate político nos meios de comunicação.
história das eleições (Foto: Divulgação / TRE-RJ)Antigas urnas em tecido (Foto: Divulgação / TRE-RJ)
A Emenda Constitucional nº 11/78 revogou os atos institucionais e complementares e modificou as exigências para a organização dos partidos políticos. Em 19 de novembro de 1980, a EC nº 15 restabeleceu as eleições diretas para governador e senador. A Lei nº 6.767, de 20 de dezembro de 1979, extinguiu a Arena e o MDB e restabeleceu o pluripartidarismo, sinalizando o início da abertura política.
Foram eleitos indiretamente cinco presidentes militares. A primeira eleição de um presidente da República civil durante esse regime de exceção ainda foi indireta, por meio de um colégio eleitoral, e levou à Presidência Tancredo Neves, que faleceu antes de tomar posse, vindo a ser substituído no cargo pelo vice José Sarney, em 1985.
Em 15 de maio deste ano, a Emenda Constitucional nº 25 alterou dispositivos da Constituição Federal e restabeleceu eleições diretas para presidente e vice-presidente da República, deputado federal e senador, para o Distrito Federal, para prefeito e vice-prefeito das capitais dos estados, dos municípios considerados de interesse da segurança nacional; além de abolir a fidelidade partidária.
A legislação eleitoral eliminaria o voto vinculado no ano de 1982 e a Lei nº 6.996/82 introduziria a utilização do processamento eletrônico de dados nos serviços eleitorais. Três anos depois, a Lei nº 7.444/85 disciplinou a implantação do processamento eletrônico de dados no alistamento eleitoral e a revisão do eleitorado, possibilitando, em 1986, o recadastramento, em todo o território nacional, de 69,3 milhões de eleitores, sob a supervisão e orientação do Tribunal Superior Eleitoral.
A informatização teve início em 1986, com o recadastramento eletrônico de aproximadamente 70 milhões de eleitores. Em 1994 aconteceria, pela primeira vez, a totalização das eleições gerais pelo computador central, no Tribunal Superior Eleitoral. Os trabalhos de informatização do voto começariam no ano seguinte. A primeira votação eletrônica do Brasil aconteceria em 1996, com um terço do eleitorado votando em urnas eletrônicas. Dois anos depois seriam dois terços dos eleitores, e só em 2000 o projeto foi implementado em sua totalidade. No ano de 2006 votaram eletronicamente cerca de 125 milhões de brasileiros.
Os eleitores
Foi o Código Eleitoral de 1932 que estendeu a cidadania eleitoral às mulheres, sendo a potiguar Celina Guimarães Vianna, da cidade de Mossoró, a primeira eleitora do Brasil. No ano seguinte, Alzira Soriano de Souza era eleita para a prefeitura do município de Lajes, no Rio Grande do Norte, e seria a primeira prefeita eleita no Brasil. Mas só em 2010 o país levaria pela primeira vez uma mulher à presidência da República, com a eleição de Dilma Rousseff.
A Constituição de 1934 estabeleceria a idade mínima obrigatória de 18 anos para o exercício do voto. E a Emenda Constitucional nº 25/85 devolveria ao analfabeto o direito de votar, desta vez em caráter facultativo.
Mas seria a Constituição de 1988 que estabeleceria o alistamento eleitoral e o voto obrigatórios para os maiores de 18 anos e facultativos para os maiores de 70 anos e  jovens entre 16 e 18 anos.
Na história das eleições no Brasil, há o registro de três consultas nacionais mediante referendo: a primeira, para a manutenção do sistema parlamentar (1963), em seguida, para a escolha entre Monarquia Parlamentar e República (1993) e o referendo da proibição do comércio de armas de fogo e munição (2005).
Um pouco mais sobre o processo democrático brasileiro
- As eleições não são uma experiência recente no país. O livre exercício do voto surgiu no Brasil com os primeiros núcleos de povoadores, logo depois da chegada dos colonizadores. Foi o resultado da tradição portuguesa de eleger os administradores dos povoados sob domínio luso.
- As eleições para governanças locais, para administradores de povoados, foram realizadas até a Independência. Acredita-se que primeira eleição foi realizada em 1532, para escolher o Conselho Municipal da Vila de São Vicente (SP).
- A forte relação entre estado e religião, até fins do Império, fez com que algumas eleições chegassem a ser realizadas em igrejas. Na época, a profissão da fé católica era condição para ser eleito deputado. Essa ligação entre política e religião terminou com a Constituição de 1891, que determinaria a separação entre as duas instituições.
- As votações no Brasil chegaram a ocorrer em até quatro graus: os cidadãos das províncias votavam em outros eleitores, os compromissários, que elegiam os eleitores de paróquia, que por sua vez escolhiam os eleitores de comarca. Estes, finalmente, elegiam os deputados. Os pleitos passaram depois a ser feitos em dois graus. Isso durou até 1881.
- O Brasil teve sete fases partidárias:
A primeira foi a monárquica, que começou em 1837.
A segunda fase partidária, na Primeira República, de 1889 a 1930, teve a participação de partidos estaduais. Foram frustradas as tentativas de organização de partidos nacionais.
A terceira formação partidária aconteceu na Segunda República, com agremiações nacionais de conotação ideológica: a Aliança Nacional Libertadora e o Integralismo.
Com o golpe de 1937 e a instalação da Terceira República, houve o único hiato na trajetória partidária brasileira. Com a Quarta República, a redemocratização trouxe, em 1945, a exclusividade da apresentação dos candidatos pelos partidos políticos. Nesta quarta formação partidária do país ocorreu um multipartidarismo com 13 legendas.
O regime militar de 1964 iniciou a quinta fase partidária, com o bipartidarismo.
A sexta formação partidária foi promovida pela reforma de 1979, condicionando a atuação dos partidos ao alcance de um mínimo de base eleitoral.
A sétima e atual fase começou em 1985, com a Emenda Constitucional nº 25, e o alargamento do pluripartidarismo.

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