24 março 2012
Crise dos precatórios
Pergunta do dia e no Maranhão quando o estado de fato começa a pagar precatórios?
Em novembro de 2010, na primeira vez que subiu ao púlpito no almoço mensal do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e meses antes da atual polêmica em torno das inspeções nos tribunais, a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, falou sobre os novos rumos do Conselho Nacional de Justiça. Nesta sexta-feira (23/3), a ministra voltou ao encontro, que aconteceu no Jockey Clube de São Paulo. Dessa vez, porém, o viés não foi disciplinar, mas organizacional — faceta do órgão mais útil ao jurisdicionado. O tema do discurso foi o pagamento de precatórios.De acordo com Eliana, dentro de dois meses o Tribunal de Justiça de São Paulo começa a pagar as primeiras dívidas da Administração Pública, reconhecidas judicialmente. “Um dos problemas do Judiciário é de depósitos judiciais, o outro é dos precatórios”, disse a ministra. Há R$ 117 bilhões em depósitos judiciais parados.
A novela, como se sabe, vem desde 1996, quando a Emenda Constitucional 12 outorgou “competência à União para instituir contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira”. A partir daí, afirmam especialistas, vieram outras duas moratórias.
“Na verdade, na minha visão”, conta Eliana, “foram quatro moratórias, e não três”. Para embasar sua tese, ela cita o artigo 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, segundo o qual, “ressalvados os créditos de natureza alimentar, o valor dos precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituição, incluído o remanescente de juros e correção monetária, poderá ser pago em moeda corrente, com atualização, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, por decisão editada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulgação da Constituição”.
Duas novas emendas seguiram a EC 12: as de número 30, de 2000, e de número 62, de 2009. Essa última alterou o artigo 100 da Constituição Federal e acrescentou o artigo 97 ao ADCT, instituindo regime especial de pagamento de precatórios pelos estados, Distrito Federal e municípios. “O calote está legalizado pela Constituição Federal”, diz. A emenda é objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal.
Situação do TJ-SP
Em tom conciliador, em entrevista coletiva concedida à imprensa, a corregedora elogiou o desembargador Ivan Sartori, atual presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. “O TJ de São Paulo era um tribunal fechado, que se bastava e que sempre teve boas práticas. Ele foi o desembargador que abriu as portas do tribunal para a sociedade”, disse. Para ela, no entanto, a corte não se "modernizou", nem se preparou para os desafios da Constituição Federal.
"Não conseguindo se modernizar, parou completamente", disse. "Havia a suspeita de que o tribunal estivesse se locupletando dos valores. Isso não aconteceu", garantiu. O estado de São Paulo apenas disponibiliza os valores, cabendo ao setor de execuções individualizar o que é devido a cada credor. "O que dá grandeza, sem dúvida alguma, é a humildade de dizer que precisa de ajuda", disse.
Questão do calote
Como noticiou a revista Consultor Jurídico, em outubro de 2011 o CNJ cruzou pela primeira vez o Salão dos Passos Perdidos, com a clara finalidade de realizar uma inspeção. A entrada se deu em virtude de suspeita levantada pela Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo sobre o porquê de o então presidente do tribunal, desembargador José Roberto Bedran, não exigir que o estado de São Paulo efetuasse os depósitos previstos para o pagamento de precatórios.
A visita aconteceu em meio ao rebuliço causado pelas declarações da ministra, entre outras coisas, de que só conseguiria inspecionar o TJ-SP "no dia em que o sargento Garcia prender o Zorro". O relator do caso no CNJ, José Lúcio Munhoz, não concedeu a liminar pedida pela OAB-SP, mas determinou, de ofício, a realização da audiência. O conselheiro pediu a presença do procurador-geral do estado de São Paulo. Em Reclamação contra Bedran, o órgão disse ser "absurdo" que ele se omitisse sobre o assunto.
Na época, o desembargador Venício Salles, responsável pelo Departamento de Precatórios no TJ-SP, lembrou que problemas de tecnologia e de elaboração das listas detalhadas dos credores — já que alguns precatórios envolvem centenas de beneficiados — dificultavam o pagamento. “Nós só conseguimos aproveitar os dados até 1999 enviados pela Procuradoria-Geral do Estado”, disse, como informou a ConJur. Para se ter ideia da gravidade da situação, não são sabidos, ao certo, quantos credores esperam para receber seus créditos.
Nesta sexta, passados quase seis meses da inspeção, Eliana Calmon anunciou que um choque de gestão foi a saída encontrada para dar conta do problema. “Os precatórios vêm sendo objeto de negociação, inclusive entre os estados e os credores, que propõem acordos com deságios de até 90%”, diz, referindo-se às inspeções realizadas em oitos estados. Em Alagoas, R$ 1 bilhão pode ter sido movimentado dessa forma.
Embora Eliana reconheça que o Judiciário não sabe como sanar a questão, lembra que os trabalhos do CNJ só vão até certo ponto. “Tudo depende de vontade política, e isso a Corregedoria não pode impor”, diz. O órgão se comprometeu, como explica o advogado Marcelo Gatti Reis Lobo, da Comissão de Precatórios da OAB-SP, a fornecer equipamentos de informática, assessores e pessoal. Além disso, vai conversar com o Executivo estadual para que o TJ paulista seja aparelhado com os recursos materiais necessários.
De acordo com Lobo, a prioridade, neste momento, é debitar nas contas dos credores os valores que já estão sob a responsabilidade do TJ-SP, cuja única função é concentrar o montante. Hoje, sozinha, a Prefeitura de São Paulo depositou R$ 1 bilhão e, a Fazenda Pública estadual, mais R$ 1 bilhão. Quarenta mil credores — todos idosos ou portadores de doenças graves — já peticionaram informando sobre suas situações. À parte disso, o setor de execução tem R$ 150 milhões esperando para serem distribuídos.
Segundo a presidência do Setor de Precatórios, existem de dois a dez milhões de credores de precatórios no estado de São Paulo. “A Administração Pública joga toda responsabilidade no Judiciário”, diz Lobo.
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