domingo, 11 de novembro de 2012

Grilagem de terras prejudica 10 mil pessoas na grande São Luís

Você compra um terreno, quita, recebe a documentação, investe no local e, anos depois, descobre que pode não ser o dono, pois o documento é falso. Nem pode negociá-lo, sob pena de suspeita da participação em fraude. O problema é vivido por mais de 10 mil pessoas que adquiriram terrenos em Raposa, Paço do Lumiar, São José de Ribamar e São Luís, a partir da década de 80. Mas, foi em novembro do ano passado que a polícia descobriu uma quadrilha de grileiros envolvendo empresários, políticos, corretoras e imobiliárias. O esquema foi desarticulado após o assassinato do empresário Marggion Lanyere, em outubro passado, motivado por um terreno no Araçagi. A partir daí, outros casos vieram à tona. Segundo as investigações, os envolvidos movimentaram pelo menos R$ 100 milhões com as grilagens.
O comerciante Saulo de Oliveira Pinto, 38 anos, é uma destas vítimas e teme perder o bem que possui. Ele mora com a mulher e os cinco filhos na Vila Itamar. Todos se revezam no comércio que lhes mantém o sustento. Há quatro anos, quando comprou o lote de 40x100m no loteamento Cidades e Fruteiras, Araçagi, a ideia era construir para somar à renda familiar. Mas, passado o tempo, achou melhor vendê-lo e investir no negócio que já possui.
A surpresa do comerciante foi saber que está impedido de fazer negociação com a área, podendo, inclusive, ser apontado como cúmplice do esquema fraudulento. "Um corretor me apresentou a área e achei um bom negócio para usar o dinheiro que tinha guardado. Nunca imaginava que iria passar por isso", disse o comerciante. O terreno foi pago em 12 parcelas. Saulo se mostra indignado com a situação. "Por causa da fraude praticada por essa gente eu não posso resolver minha vida", reclama.
O administrador Maurício Lucena dos Santos, 42 anos, sentiu na pele a perda de um bem no qual investiu suas economias. Em 1981, ele comprou um lote de 12x25m no Loteamento Pirâmide do Araçagi e pagaria em 24 parcelas. Ocorre que, quando foi cercar a área viu que outra pessoa a ocupava: uma mulher com duas crianças pequenas. A casa feita era de barro e coberta de palha. A mulher em questão trabalhava lavando roupa para fora.
A situação sensibilizou o administrador. "Cheguei a falar com a mobiliária que se prontificou a resolver a questão. Mas, dada a demora e a situação daquela mulher, acabei desistindo", disse ele. Ele conta que outros 10 colegas também compraram lotes no mesmo lugar. "Os terrenos eram bem baratos e a área estava 'surgindo'", conta. Hoje, quase 30 anos após, a área está na lista de crimes de grilagem investigada pela polícia.

Preso mais um
A polícia prendeu mais um suspeito de envolvimento nos crimes de grilagem, cuja empresa era utilizada como facada para negociação irregular de terrenos. Lourenço Moura Rodrigues, 35 anos, é cearense de Sobral, mas costumava vir a São Luís para fazer negócios. Ele foi preso na tarde da última sexta-feira, após descoberta da polícia sobre seu paradeiro. "Estávamos à procura dele há quase um ano e agora, teremos como identificar que áreas foram negociadas por meio da empresa, que seria de fachada e ele, um 'laranja'", disse o delegado Luís Carlos Damasceno.
Lourenço Rodrigues foi ouvido informalmente e negou qualquer participação em crime de grilagem e disse desconhecer terrenos negociados ilegalmente por sua empresa, a Lee Iai Importação e Exportação ou ligação com falsificação de documentos. De São Luís ele iria à Raposa onde negociaria uma extensa área que diz ser de sua propriedade. "A área seria dividida em lotes para ser vendida", ressaltou Damasceno.
O suspeito disse conhecer Edson Arouche, o Júnior Mojó e o corretor Elias Orlando, presos por envolvimento na morte do empresário Marggion Lanyere Andrade, mas negou ter negócios com a dupla. No entanto, o delegado afirma que a empresa do suspeito intermediou negociação com o terreno de Marggion. Lourenço Rodrigues estava foragido e contra ele já havia um mandado de prisão por estelionato. "Vamos agora investigar a relação dele com a grilagem de terras", declarou o delegado Carlos Damasceno.

Quilombolas enganados

No loteamento Camboa do Frades, próximo à Vila Maranhão, mais vítimas. Cerca de 200 pessoas que negociaram terrenos dizem terem sido enganadas por um homem identificado apenas como 'Carrinho'. Este teria comprado as áreas a preços muito abaixo do mercado e induzido as pessoas a assinarem procurações - o documento designa alguém a atuar em nome do titular. São áreas de descendentes quilombolas cujas terras passaram de geração a geração. As áreas têm metragens de até 100x100m. O suspeito se aproximava dos donos - geralmente idosos e leigos em questões jurídicas - avaliando as áreas em média por R$ 20 mil. Aos donos adiantava valores de até R$ 3 mil se comprometendo a quitar o restante, o que não cumpria. Pelo preço atual de mercado, as áreas valeriam, pelo menos, R$ 200 mil.
"Ele chega dizendo que quer comprar nossos 'benefícios', pois a terra já é dele. Queria saber onde ele arranjou documento das terras da minha família", disse a dona de casa Miriam dos Santos Mendes, 52 anos. O que ela chama de 'benefícios' inclui as plantações, construções e quaisquer benfeitorias que tenham sido realizadas nos terrenos. Para a moradora, o homem negocia preços irrisórios com os verdadeiros donos e após, revende os terrenos a empresários. Miriam explica que os moradores foram induzidos a assinar procurações passando o direito de suas terras ao negociante. A partir daí, não viam nem o negociante, nem o restante do dinheiro e ainda eram obrigados a deixar suas terras.
"Ele já tentou comprar o terreno da minha família lá e ele já tentou comprar, mas não queremos vender", disse a moradora. Ela conta ainda que o avô, um senhor de 80 anos, também foi procurado para negociar suas terras. Reunidos, os lesados procuraram a justiça, mas, teriam sido desestimulados. "Disseram a essas pessoas que, por assinarem uma procuração, não teriam mais direito sobre suas terras", explica a moradora. Alguns estão ali há mais de 60 anos. "É uma história de vida que se perde com o patrimônio dessas pessoas", ressalta.

Investigação

São vários os inquéritos gerados pela descoberta do crime de grilagem. Pelo menos quatro já foram concluídos pela polícia e 10 pessoas estão indiciadas. A investigação se concentra agora no Loteamento Cidades e Fronteiras, no Araçagi, São José de Ribamar. No local, cerca de 300 pessoas foram escolhidas por amostragem para prestar informações à polícia. A área sob suspeita possui 46 hectares. Para impedir novas vítimas a polícia bloqueou negociações naquela área. "Todo o loteamento é fruto de negociação ilegal, cujas documentações emitidas são fraudadas", afirmou o titular da Supervisão de Áreas Integradas de Segurança Pública (Saisp) e delegado-chefe da comissão da grilagem, Carlos Alberto Damasceno.
A modalidade amostragem para depoimentos foi escolhida dado o grande número de vítimas. Além do Cidades e Fruteiras, outros 21 loteamentos irregulares nos municípios da Grande Ilha são investigados. A mais recente denúncia que chegou à polícia aponta ilegalidades na negociação de terrenos nos bairros Altos do Turu, Jardim Eldorado, Pirâmide, Vila Maranhão, Turu e Calhau, na capital. "É um tipo de crime que só cresce e é difícil de impedir. Desde quando começamos a investigar não param de chegar denúncias", disse Damasceno. Os loteamentos possuem grande extensão de áreas. Alguns, diz o delegado, agrupam quase três mil lotes. São, ao todo, 22 loteamentos sob suspeito, sendo os maiores são o Cidades e Fruteiras (46 ha), Parque Aquares (93 ha) e Altos do Turu I, II e III (3.200 ha).

Fio da meada

O crime de grilagem no Maranhão começou a ser investigado após o assassinato do empresário Marggion Andrade, em outubro passado. Marggion foi morto pelo seu caseiro, Roubert Sousa dos Santos, o "Louro", 19; pelo ex-presidiário Alex Nascimento de Sousa, 23, e por um adolescente de 15 anos. Os três apontaram o corretor Elias Orlando Filho e o vereador Edson Arouche, o Júnior Mojó, como mandantes do crime. O empresário foi enterrado em uma cova rasa em um terreno de sua propriedade, no Araçagi. A quadrilha atua desde a década de 80, segundo as investigações.

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