terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Solução sem trauma

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Tudo começou 20 anos atrás num churrasco na clínica dele no Pacaembu,em São Paulo. A picanha ficou um pouco dura, o pessoal reclamou. O doutor Cristiano Santana pegou um pouco do leite do mamoeiro, esparramou na picanha, que amaciou. O látex do leite do mamão logo surtiu efeito. “Todos se sentiram melhor”, observa o doutor Santana. Nasceu então a ideia de usar a enzima do mamão na cura da doença de Peyronie, também conhecida, entre outros, como endurecimento plástico do pênis, cavernosite crônica e fibrose – ou, para os leigos, o membro tortuoso.

Em miúdos, o urologista Santana começava sua luta pela cura da doença, assim chamada em homenagem ao francês François Gigot de Lapeyronie, cirurgião e confidente de Luís XV. A Peyronie era quase uma obsessão do urologista Santana, pós-graduado na Harvard Medical School.

“Incomodava-me o fato de que, quando fazíamos um tratamento de próstata, muitas vezes, embora nem sempre, o paciente desenvolvia a doença de Peyronie”, oferece Santana.

O urologista concebeu um creme/gel transdérmico permea-do de enzima, cuja penetração não causa traumas. Seu próximo passo foi usar a nanotecnologia para ampliar os níveis de penetração de seus cremes. Assim, ele elevou as chances de sucesso numa doença até hoje considerada incurável. “O futuro da indústria farmacêutica, isso já foi dito, é a nanotecnologia”, argumenta o doutor Santana. De fato, após tratar 120 casos da doença de Peyronie, Santana começou a usar seus cremes, agora mesclando-os com o citrato de sildenafila, fármaco vendido sob o nome de Viagra para tratamento da disfunção erétil. O creme é também usado, entre outros, para tratamentos anti-inflamatórios e poderá até ser uma alternativa menos agressiva para o Botox. “Existe uma gama de tratamentos à frente para fazermos”, resume Santana.



CartaCapital: Como funciona essa interação entre o creme transdérmico e a nanotecnologia?

Cristiano Santana: A nanotecnologia tem uma penetração bem maior do que cremes anteriormente usados, mais oleosos. Chega até o estroma subcutâneo. Com a nanotecnologia desenvolvi um creme e um gel. Misturo a nano com essa enzima proteolítica existente dentro da nano. São nanoesferas supramoleculares,comoas chamamos. Quem ganha é o paciente, graças à maior rapidez e eficácia dos tratamentos.



CC: Foi a doença de Peyronie que o levou a inventar o creme com sildenafila?

CS: Antes de conceber esse creme não tinha pensado na abrangência dele. Mas logo constatei nas observações clínicas que as enzimas proteolíticas tinham uma fantástica penetração. Foi então que comecei a fazer pesquisas mais aprofundadas. Fizemos também um estudo de bioequivalência para avaliar a penetração do creme. Usamos células de Franz para estudos comparativos de penetração através da pele. -Depois de mais de 120 casos tratados com Peyronie, comecei a usar o creme em tratamentos para a disfunção erétil.



CC: De que forma o senhor agiu e quais eram as expectativas?

CS: O objetivo, através da penetração, era atingir os receptores dos corpos cavernosos. Os corpos cavernosos são dois cilindros ocos dentro do pênis. Quando a pessoa está excitada, o sangue entra nesses cilindros, o que causa a ereção. Comecei a usar o sildenafila com meu creme numa dose pequena de 50 miligramas. A ideia não era obter uma ereção imediata. Veja, se o paciente passar o creme, estiver com a parceira e tiver estímulo, ele chega mais rápido a uma boa ereção. Mas meu alvo era pesquisar pessoas com mais de 50 anos, nas quais os hormônios já começam, com a idade, a baixar o nível plasmático. Nesses pacientes é muito perigoso você fazer uma reposição hormonal por causa de complicações com a próstata. Então, meus pacientes começaram a passar o gel uma vez a cada quatro dias. Isso sem terem obrigatoriamente uma relação sexual. E quando tiveram uma ereção, a chamada ereção fisiológica estimulada por uma parceira, ela estava muito melhor do que as anteriores ao medicamento. E isso sem a agressão de uma injeção no pênis ou a ingestão de drogas com possíveis efeitos colaterais.




Até 2013, o medicamento estará disponível no comércio. Foto: Istockphoto
CC: Sim, mas o objetivo entre uma droga para obter a ereção e o seu creme é o mesmo…

CS: O paciente que tomar um comprimido para a disfunção erétil e for ver um jogo de futebol não tem ereção. Isso porque interfere a parte de estímulo. Se ele passar o creme vai ter um aumento de2 centímetrosno diâmetro do pênis. Aqui no consultório passamos o gel e depois medimos o pênis dos meus clientes. O paciente tem uma tumescência. As veias vão ficando turgidas, vão aumentando e ocorre um inchaço, entre aspas, do pênis. Normalmente depois de 20 minutos tudovoltaao normal. Se o paciente passar o creme três, quatro dias alternados, quando for ter uma relação ele não precisa obrigatoriamente passar o creme para ter ereção. De qualquer forma, a ereção dele fatalmente estará melhor. O motivo? Ele terá condicionado os receptores do corpo cavernoso, que se tornaram mais ativos. Écomojogar tênis. Você fica batendo bola no paredão e, quando for para a quadra, estará jogando melhor.



CC: Então, para que o creme funcione, o paciente terá de aplicá-lo duas, três vezes por semana para sempre?

CS: Essa frequência vai ficando esparsa. Ele começa a passar o creme uma vez por semana. Depois passa uma vez a cada dez dias porque vai conservando essa receptividade que houve do corpo cavernoso. Trata-se de uma fisioterapia da mus-culatura lisa visceral do corpo cavernoso. É importante não confundir: existe outra musculatura lisa visceral, mas que não é visceral – são multiunidades, e encontra-se no intestino, no esôfago. Essa do pênis é exclusiva. Bonito estudo.



CC: Quanto tempo dura o tratamento da Peyronie?

CS: Quando o paciente passa o creme com a enzima proteolítica com o gel da nano, a substância penetra através da pele subcutânea e vai debridando essa fibrose que existe emvoltado corpo cavernoso. A lesão não é intracavernosa,comoacreditam numerosas pessoas-. O paciente passa o creme no corpo cavernoso duas vezes ao dia com -acompanhamento de ultrassonografia. A ultrassonografia é um tipo de radiografia prévia, que pedimos imediatamente quando o paciente está com Peyronie. Iniciamos o tratamento, três meses depois pedimos outra ultrassonografia para ir acompanhando a melhora do paciente. Se for uma lesão maior, a doença pode durar um ano, um ano e meio, mas o paciente vai melhorando.



CC: E ele pode ter relações sexuais?

CS: Sim, pode e deve. As relações sexuais provocam a fragmentação da lesão. A melhora é gradativa e a ultrassonografia torna a recuperação mais transparente. Isso é bom para o paciente porque o anima a continuar o tratamento. Hoje temos mais de 120 pacientes tratados de Peyronie com resultados positivos. Seria em torno de 80% de cura e/ou o que chamamos de melhora. Cura é coisa absoluta. Os pacientes precisam sempre passar por uma reavaliação, porque essa doença pode voltar.



CC: Por que ela volta?

CS: Isso ninguém sabe. Discordo dos que acreditam que a doença é causada por um trauma ou microtrauma. É uma doença de fundo genético, não dominante, recessiva. Várias famílias aqui tratadas demonstraram isso. Vi casos nos quais o avô tinha Peyronie, o pai e o neto também.



CC: Como se poderá usar de outras formas esse creme com uma enzima com ação eficaz agregada à nano?

CS: Dá para fazer algo nas áreas de cosmética e de anti-inflamatórios. Há estudos fantásticos feitos com analgésicos, anestésicos e antimicóticos. Enfim, uma gama de produtos. Tenho várias patentes direcionadas a esse fim.



CC: O creme poderá ser mais eficaz que o Botox?

CS: Poderá ser. O Botox é um tipo de toxina botulínica paralisante. Paralisa a musculatura, normalmente ao redor dos olhos, da testa. Você perde, até certo ponto, marcas de expressão. O efeito dura três meses. Não sou contra isso. Mas acho que se tivermos um método menos agressivo que o Botox seria uma boa tentativa para os laboratórios. É preciso correr atrás daquilo que não agrida tanto o paciente. Ao mesmo tempo, o tratamento tem de beneficiá-lo. Esse creme que propomos até criança com queimadura pode passar. Não há efeito secundário. E nos interessam outros campos,comoo da musculatura.



CC: Pode dar um exemplo?

CS: A creatina, por exemplo, fortalece a musculatura. Se você tomar além de5 gramasao dia, a substância causa problemas nos rins e no fígado. Na minha concepção acho perigoso tomar creatina. Mas amanhã podemos fazer um creme com a creatina para passar na musculatura. Vamos supor no deltoide, no músculo do braço. Você passa o creme com creatina e fica levantando peso. Esse músculo poderá ficar fortalecido na sua estrutura. Não estou afirmando nada, isso é uma observação clínica que precisa ser confirmada. Tem uma gama de coisas pela frente para fazermos. Já começamos a fazer estudos clínicos com anti-inflamatórios que atuam na parte ósseo-muscular. Ou seja, tratam bursite, artrose, artrite. O efeito colateral dessas drogas, quando tomadas via oral, é cardíaco, então foram abolidos do mercado, nos Estados Unidos e no Brasil.



CC: O senhor prescreve esses cremes aos seus pacientes?

CS: Ao cliente que vem ao consultório com doença de Peyronie, por exemplo, prescrevo a receita, que é aviada em uma farmácia de manipulação. Importo a matéria-prima da França, a receita é aviadacomoqualquer outro medicamento, e assim o paciente recebe o creme. Até hoje tenho obtido resultados animadores. Através de observações clínicas, estudos e comprovações científicas.



CC: Quando esses cremes estarão no mercado?

CS: Talvez em 2012 ou 2013. Tenho todos os cremes prontos. Precisamos fazer o estudo clínico com alguns voluntários, dependendo de um laboratório farmacêutico. Se der tudo certo, o laboratório dará entrada para registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o órgão competente para liberar os medicamentos. Falta apenas isso, porque os estudos feitos durante décadas estão prontos e comprovados cientificamente.

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