segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Onze anos do assassinato de um lutador pela reforma agrária

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26/12/2011



Leonardo Wexell Severo
de Rondon do Pará (PA)

“Os ninguém, os filhos de ninguém, os donos de nada”, como diria Eduardo Galeano, tomaram as ruas de Rondon do Pará, dia 26 de novembro, para honrar a memória de um igual, que “custou menos do que a bala que o matou”. No ato “Pela paz, por liberdade e justiça no campo”, manifestantes vindos de todo o Pará lembraram o exemplo de José Dutra da Costa (Dezinho), batalhador pela reforma agrária e pelos direitos dos trabalhadores assassinado há 11 anos, cujo crime se mantém impune.

“Dezinho acreditava e defendia uma forma de desenvolvimento contrária do que sempre se viu em Rondon. Queria ver as terras públicas repartidas entre as famílias de trabalhadores rurais sem terra para aumentar a produção, a circulação de produtos dos agricultores no mercado local, melhorar a renda e a qualidade de vida dos mais pobres”, lembra a presidenta do Sindicato local, Zudemir dos Santos de Jesus (Nicinha), mantida sob proteção policial.


Manifestantes marcham em Rondon do Pará no ato



“Pela paz, por liberdade e justiça no campo” - Foto: Leonardo Severo


A seu lado, a viúva de Dezinho, dona Maria Joelma, também escoltada noite e dia por soldados da Força Nacional, recorda as razões do assassinato. “Dezinho não concordava que os pobres tivessem que viver amontoados nos bairros em extrema pobreza ou que tivessem que enfrentar o trabalho escravo nas fazendas, carvoarias e serrarias. Por isso, denunciava os grileiros de terras públicas, os latifúndios improdutivos, os utilizadores de mão de obra escrava e os autores de crimes ambientais. Os que enriqueceram com tais práticas decretaram a sua morte, pensando que com isso colocariam um fim na sua existência. Mataram o homem, mas suas ideias sobrevivem”, acrescentou.

Símbolo da impunidade Situada a mais de 500 quilômetros da capital, Belém, a cidade virou símbolo da impunidade, onde os assassinatos se sucedem, cabendo às mulheres continuarem a luta dos maridos abatidos por pistoleiros a mando dos grandes latifundiários e madeireiros.

“Comprometidas com a justiça no campo, estamos aqui para denunciar o avanço da violência contra a mulher no Pará e no país. Se antes éramos 7% ameaçadas de morte, hoje somos mais de 20%. É preciso dar um basta neste ambiente de terror estabelecido pela grilagem, pelo agronegócio e pelas madeireiras, que vêm banalizando e naturalizando a violência e a devastação”, declarou Carmem Foro, que representou a executiva nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no evento.

O clima criado pela prefeita Cristina (PSDB) – filha de Josélio de Barros, dono da fazenda Texagaú, onde foi encontrado um cemitério clandestino com corpos dos trabalhadores rurais fatiados com dentes de motosserra – dispensa maiores comentários. Josélio chegou a ser preso, mas saiu logo depois pela porta da frente, e nunca mais voltou à prisão.

Compromissos renovados

Com faixas e cartazes, os trabalhadores renovaram o compromisso com a memória e a história, entoando em coro: “Reforma agrária, já” e “Este é o nosso país, esta é a nossa bandeira, é pelo amor desta Pátria, Brasil, que a gente segue em fileira”. Caminhando a seu lado, entre olhares incrédulos de uma parte da população compreensivelmente aterrorizada, atores globais como Letícia Sabatela e Camila Pitanga, membros do Movimento Humanos Direitos, reforçaram o coro contra a impunidade. “Quanto mais matarem, mais o movimento vai crescer, porque matam um homem não sua causa. Chaplin dizia que a liberdade não morrerá enquanto um homem viver por ela”, destacou Osmar Prado.

Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Alberto Broch, a mobilização “coloca na agenda o novo modelo de desenvolvimento que queremos para o país, que será construído com o fortalecimento dos assentamentos”. Broch cobrou dos representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), mais investimentos em políticas públicas que garantam crédito para a produção e recursos para que ela seja transportada e não apodreça, a fim de assegurar alimento farto e barato na mesa do povo brasileiro.

O problema do escoamento da safra é mais do que angustiante, é trágico. E palpável. Na Feira da Agricultura, o Sindicato de Rondon disponibilizou pequenas bancas para que os assentados pudessem expor seus produtos a preços acessíveis. Com a chuva do dia anterior, vários veículos atolaram, ficando no caminho montanhas de abóboras e melancias. Perdeu o produtor. Perdeu o consumidor.

A manifestação comandada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais, com apoio da CUT, da Contag, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foi elevando o tom, lembrando nomes de lutadores que tombaram vítimas dos latifundiários na região: João Canuto, Irmã Dorothy, Alfim Fagundes, José Cláudio e Maria do Espírito Santo.

Três tiros

Entre a dor de tantas lembranças, naturalmente se sobressaiu a recordação de José Dutra da Costa, precursor do movimento na cidade. No dia 21 de novembro de 1990, três tiros ceifaram a vida do sindicalista. Dezinho orientava os companheiros a se somar com o sindicato, a se organizar, a lutar pelo que era seu, a não abaixar a cabeça, a não se deixar ludibriar ou escravizar.

Dias antes de Dezinho morrer, Décio Barroso Nunes, Delsão, apontado como o cabeça do “consórcio da morte” que ordenou o sentenciamento, advertiu o sindicalista de que ele não ia chegar vivo ao Natal.

Contratado para fazer o serviço, Pedro, um dos pistoleiros, foi convencido pelo irmão a não cometer o crime. Afinal, fora um dos tantos assentados beneficiados com a ação de Dezinho. “Sabendo que ao atender a súplica do irmão, estava marcado para morrer, Pedro entregou uma gravação onde Delsão é apontado como ‘o chefão’. Deixa com o irmão fotos da lagoa onde jogava os corpos dos trabalhadores rurais que assassinava a mando dos fazendeiros”, conta Joelma Costa Ferreira, uma das filhas de Dezinho. Logo depois, não foi apenas o arquivo vivo que foi queimado, também o fórum da cidade onde estavam guardadas as provas. Ossadas foram levadas a Belém para averiguação e por lá ficaram. Sem respostas.

Até agora, lembram os dirigentes do sindicato, o pistoleiro Welington Silva é o único dos acusados da morte de Dezinho que foi julgado e condenado. “Quanto aos intermediários do crime, Ygoismar Mariano e Rogério Dias, mesmo com prisão preventiva decretada, a polícia do Pará nunca fez o menor esforço para prender. Domício Neto, o terceiro intermediário, passou poucos meses preso e foi posto em liberdade. O pistoleiro Welington, condenado a 29 anos de prisão, passou pouco mais de seis anos preso e fugiu da penitenciária de Belém, beneficiado por uma decisão judicial que o autorizou a passar o Natal em casa. Nunca mais voltou e a polícia não moveu uma palha para prendê-lo novamente”.

Assassinato sob encomenda

A identificação dos que encomendaram o assassinato de Dezinho só foi possível porque, mesmo ferido com três tiros, o sindicalista ainda conseguiu lutar com o pistoleiro, caindo sobre ele numa vala em frente à sua casa. Isso permitiu que os vizinhos capturassem Welington, com dona Maria Joelma impedindo que fosse linchado.

Conforme Francisco de Assis, secretário de Formação e Organização da Fetagri- PA, “o principal acusado de ser o mandante do assassinato, o fazendeiro Delsão, é grileiro de uma área pública de 117 mil hectares, como comprovaram a Polícia Federal e o Incra“. Ao lado de Lourival de Sousa, o Perrucha, após mais de uma década do crime, Delsão irá à júri popular no próximo ano em Belém. Com rios de dinheiro, seus advogados impetraram – e conseguiram - um sem número de recursos no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF), adiando o julgamento – e a sentença.

Delsão é conhecido pela postura mafiosa. Orelhas decepadas, gargantas cortadas, cabeças decapitadas, troncos serrados e outras barbaridades se fazem presentes na cidade como um manto de silêncio e terror.





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