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POR OSWALDO VIVIANI- PUBLICADO EM 10 de julho de 2005
A PM do governador João Alberto invade uma casa no Bairro de Fátima, em 1990, e metralha um marchante que havia cometido um assassinato em Viana.
Nunca os moradores de São Luís, e em especial os do Bair-ro de Fátima, haviam visto algo parecido com o que aconteceu naquela tarde do dia 17 de setembro de 1990, uma segunda-feira.
As ruas do bairro se transformaram num cenário que fazia lembrar a preparação para uma guerra, com uma dezena de viaturas policiais postadas em várias esquinas, e mais de trinta 30 PMs, armados com metralhadoras, fuzis e revólveres, e equipados com dispositivos antitumulto (bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral), apropriados para dispersar multidões.
Todo esse contingente cercava a casa de número 147 da rua Apolônia Pinto. Dentro da residência não havia nenhum exército preparado para uma batalha feroz, e sim um homem, só e desarmado: Kleber Mendes Penha, o “Betinho Penha”, 45 anos, um marchante, que comprava e abatia gado para depois vender a supermercados, feiras e açougues.
Vinte horas antes (na noite de domingo, 16 de setembro), Betinho Penha havia matado em Viana, com dois tiros, o engenheiro agrônomo Olegário Mariano Martins Neto, 42 anos, coordenador regional da Emater (Empresa Maranhense de Terras), depois de um desentendimento banal numa estrada. O auxiliar administrativo da Emater, Juarez Domingos Ewerton Cutrim, 57, um amigo de Olegário que tentou ajudá-lo, também foi assassinado a tiros, por um vaqueiro de nome Isaías, que acompanhava Betinho.
Foram dois crimes bárbaros, que tiveram uma resposta do então governador João Alberto de Souza, conhecido como “Carcará”, igualmente pautada na barbárie.
Execução - Os homens que cercavam a casa no Bairro de Fátima não queriam prender ninguém. Claramente, eles estavam ali para matar. Sintomática era a presença de um grande número de viaturas da Rotam. Essa unidade policial era uma espécie de “braço” armado e violento do “Estado justiceiro” que o governador João Alberto instalara no Maranhão, a pretexto de acabar com a criminalidade que tomava conta do Estado, no início dos anos 90.
Mais ou menos às 17h, um grupo de policiais da Rotam, numa ação fulminante e sem aviso prévio, invadiu a casa de Betinho Penha. Algumas vidraças da casa foram estouradas a bala, e dezenas de bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, despejadas no interior dos cômodos da residência.
Em seguida, os PMs, ainda postados no lado de fora, receberam ordem de metralhar a casa. A fuzilaria durou uns quinze minutos. Quando terminou, cerca de dez policiais entraram na residência atirando, em meia à fumaça produzida pelas bombas e pelos tiros. Ao saírem, o líder do grupo fez sinal de positivo aos policiais que estavam fora da casa, e falou: “Vamos embora. O homem tá morto”.
O laudo do IML (Instituto Médico Legal), para onde o corpo de Betinho foi levado, constatou que ele foi executado com pelo menos 15 tiros.
Dia de fúria - A sucessão dos episódios bárbaros dos dias 16 e 17 de setembro de 1990 teve início com uma circunstância banal de trânsito, dessas que todos os motoristas vivem infinitas vezes nas ruas, avenidas e estradas quando dirigem à noite: alguém vem na pista contrária com o farol alto e não diminui mesmo quando o motorista prejudicado sinaliza pedindo a redução da luz.
A mesma situação aconteceu na noite de 16 de setembro de 1990, um domingo. Só que aquele parecia ser o “dia de fúria” de Betinho Penha.
O engenheiro agrônomo Olegário Mariano Martins Neto retornava de sua fazenda, nos arredores de Viana. Ele estava levando os pais para casa, no centro da cidade. Num determinado trecho da estrada, teve a visão ofuscada pela luz alta de um Monza, que vinha na direção contrária, dirigido pelo marchante Kleber Mendes Penha, o Betinho Penha. Também estava no Monza um vaqueiro de nome Isaías, que trabalhava para Betinho.
Olegário fez um sinal de luz para que Betinho reduzisse a luz alta. Não foi atendido. Quando os dois veículos se cruzaram, Olegário gritou alguma coisa para o marchante, que, irritado, fez o retorno mais adiante e passou a seguir o engenheiro, sem ser notado.
Depois de deixar os pais em casa, Olegário foi para o bairro do Areial, onde estava acontecendo o Festival do Peixe, principal evento da cidade naquele domingo. Mais ou menos às 21h, numa barraca, de propriedade de Ruth Aragão, Olegário se encontrou com o amigo Juarez Domingos Ewerton Cutrim. Os dois pediram uma cerveja.
Nem bem haviam iniciado um bate-papo, Betinho apareceu. Depois de uma ligeira discussão sobre o incidente da estrada, Betinho Penha sacou um revólver calibre 38 e deu dois tiros em Olegário. Juarez tentou socorrer o amigo e foi fuzilado pelo vaqueiro Isaías.
Cometido o duplo homicídio, Betinho Penha e Isaías fugiram para a fazenda do marchante, na localidade de Cachoeira, logo depois da ponte de Viana.
Na mesma noite de domingo, o delegado de Viana, tenente Simplício Rodrigues, reuniu alguns policiais e saiu na captura dos dois criminosos. Ao chegarem à fazenda de Betinho, o delegado Simplício e seus homens teriam sido recebidos a bala, segundo a versão policial. Como já era noite e as luzes da fazenda haviam sido apagadas, o grupo de policiais desistiu da ação e voltou ao centro de Viana, dando oportunidade para que Betinho Penha fugisse para São Luís, onde se refugiou em sua própria casa, na rua Apolônia Pinto, 147, no Bairro de Fátima.
Os enterros de Olegário e Juarez – muito queridos em Viana – ocorreram em clima de forte comoção. Até o secretário da Agricultura do Estado, César Viana, foi ao enterro. Enquanto os funcionários da Emater estavam sendo enterrados em Viana, uma verdadeira operação de guerra era arquitetada em São Luís para “justiçar” Betinho sumariamente.
“Justiçamento” - O “julgamento” sumário de Betinho Penha aconteceu na manhã da segunda-feira, 17 de setembro de 1990. Participaram do “júri” o então secretário de Segurança Pedro Emanoel de Oliveira, o chefe do Gabinete Militar do Palácio, coronel Lindoso Nunes, e o comandante geral da Polícia Militar do Maranhão, coronel Valter Brasil. Atuou como “juiz” o governador João Alberto de Souza, que, ao cabo de alguns minutos, proferiu a “sentença”: condenação à morte.
Essa reunião foi confirmada na época pelo secretário de Segurança Pedro Emanoel, que chegou a admitir que autorizou a invasão da casa em cumprimento a “ordens superiores”. O único superior hierárquico do secretário era o governador João Alberto.
Apesar das poucas dúvidas que restam de que a “Operação Betinho Penha” foi, efetivamente, uma execução, as autoridades que comandaram a ação sempre insistiram na versão de que Betinho resistiu a bala, e que por isso foi morto.
Estado “bandido” - Essa história mal contada foi derrubada por peritos da própria Polícia Técnica, que mesmo sujeitos às pressões vindas do Palácio dos Leões, revelaram que a única arma recolhida na casa do Bairro de Fátima, um revólver Taurus 38, foi encontrada dentro de uma escrivaninha e estava com as seis balas intactas.
Eles também concluíram que as várias bombas de gás lacrimogêneo lançadas dentro da casa já haviam matado Betinho Penha por envenenamento, antes mesmo do início da fuzilaria. Pelo menos desmaiado ele estava, o que impediria qualquer reação.
Outro policial que fez o seu trabalho, mesmo sabendo que desagradava a cúpula estadual, foi o delegado Pedro Gonçalves, do 2o DP. Dias depois do fuzilamento de Betinho Penha, ele pediu o indiciamento dos mais de 30 policiais – três deles oficiais - envolvidos na operação. Alegou que a operação foi totalmente ilegal, já que foi realizada sem nenhum mandado judicial.
A Justiça ignorou o pedido do delegado – nunca indiciou nenhum dos responsáveis pela “Operação Betinho Penha” -, da mesma forma que há quase quinze anos rejeita o inquérito policial sobre o caso, que está no 2º DP (João Paulo). O inquérito vai e volta, por motivos diversos.
Do episódio ficou uma constatação. O “Estado bandido”, da lei do “olho por olho, dente por dente”, chefiado pelo então governador João Alberto, prevaleceu sobre o Estado de Direito, de respeito às leis que distinguem o homem civilizado do bárbaro.
Filho de Betinho foi morto a tiros no Jardim Tropical
Betinho deixou mulher e seis filhos (dois homens e quatro mulheres). Um dos filhos, Kleber Mendes Penha Filho, o “Klebinho”, morreu assassinado há cerca de 10 anos, num crime também não esclarecido até hoje. Um desconhecido entrou no comércio que Klebinho tinha no Jardim Tropical, perto da Cidade Operária e perguntou o preço da saca de arroz. Em seguida, sacou o revólver e atirou. Klebinho morreu na hora.
A viúva de Betinho, Libânia Gomes, não vive mais na casa onde o marido foi metralhado pela PM de João Alberto. A residência hoje é ocupada por Iraneide Penha, 27 anos, uma das quatro filhas do casal.
Em 1990, Iraneide contava com 12 anos, mas disse ao Jornal Pequeno que presenciou a invasão de sua casa e se lembra de tudo. “Meu pai não deu nenhum tiro. Só a polícia atirou”, garante.
Antonio Penha, primo de Betinho, que atualmente tem um comércio na rua Apolônia Pinto, a poucos metros da casa do marchante assassinado, era policial do 2º DP (João Paulo) e presenciou a operação de guerra de setembro de 1990.
Afirmou que não houve reação nenhuma da parte de Betinho Penha e que a polícia chegou mesmo para matar. “Meu primo não era santo, tinha uns problemas com a Lei, mas a polícia não pode tomar a Justiça para si e ir matando assim”.
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