Com a execução do jornalista Décio Sá, pouca gente se atreve a tocar o dedo na ferida, que é a pistolagem no Estado.
Este fenômeno criminal, herdado das antigas estruturas sociais coloniais, permanece como prática sistemática de resolução de conflitos, há cerca de um século. É crime típico de sociedades com sistema democrático fragilizado. Quem manda matar não acredita em mecanismos institucionais de resolução de suas desavenças.
É uma prática social, sem dúvida, ao julgar pela forma como está enraizada entre nós. Ela alimenta uma demanda de sangue, e seus prestadores de serviços: uma mão de obra especializada. Forjar um pistoleiro exige tempo e prática contínua.
A periodicidade dos crimes e a ausência de ligação entre os mandantes fazem crer que temos um verdadeiro exército, adestrado para executar seres humanos. Vivem disso e, portanto, são profissionais da pistolagem. Isso também nos leva a crer que o serviço tem viabilidade econômica no mercado. Sem contar que a impunidade reinante favorece longas carreiras nessa área.
Só para exercitar a memória, lembremos do período pré-constituinte, onde tombaram inúmeras lideranças rurais no campo maranhense, vítimas da pistolagem organizada. Após a abertura democrático, tais ocorrências sobrevivem, por certo, não como reminiscências.
Lembremos da chamada "Operação Tigre", onde seus idealizadores proclamavam haver banido esse modelo de criminalidade, que continuou a ser utilizada, sobretudo, nos conflitos do campo e nas disputas políticas dos feudos interioranos. Municípios como Lago da Pedra, eram alcunhados criativamente de "Lago da Bala", principalmente pela atuação constante dos pistoleiros da região de Bacabal. É lembrar do assassinato do líder camponês MANOEL NECO PEREIRA, mais conhecido como Manoel Quintino, executado por pistoleiros no centro da cidade de Bacabal, no dia 22 de janeiro de 1988, por conta do conflito de Aldeia. Lembremos também dos casos de Raimundo Alves da Silva, o "Nonatinho", morto em 1984; de Elias Zi Costa Mendes, o "Zizi", que tombou em 1982; de José Machado, morto em 1984; Antenor Sena de Freitas, assassinado em setembro de 1985; Julião Pinto de Souza e Bento Alves de Lima, pai e filho, foram mortos à queima-roupa numa casa de produção de farinha, no povoado Juçaral, município de Lago Verde, no mesmo período.
A coisa chegou a tal ponto que o Maranhão foi criada uma organização não-governamental denominada Núcleo de Apoio à Viúvas de Trabalhadores Rurais Assassinados no Campo - NAV. Essa entidade acompanhou simplesmente 52 casos de execução por pistolagem, entre os anos de 1975 a 1993, no Estado. Se quiserem os nomes, posso mencionar, em outra postagem.
Essa mão de obra da pistolagem sempre foi sustentada economicamente por políticos e latifundiários. A sociedade maranhense conheceu agenciadores notórios, que se transformaram em líderes políticos, alguns deles com mandato.
Em 1999, tivemos um outro marco no combate à pistolagem do Estado, com a criação da CPI do narcotráfico. Políticos e empresários foram presos. O bando de pistoleiros que atuava sob o comando desse grupo foi identificado e seus líderes presos. Joaquim Laurixto e José Humberto Gomes de Oliveira, o temido “Bel”, este último morto misteriososamente, juntamente com alguns integrantes de seu bando, na localidade Barro Vermelho, por conta de uma diligência judicial, na Comarca de Santa Luzia, em 3 de julho de 1997. Esses criminosos haviam sido presos, pela morte do delegado de polícia, Stênio Mendonça, ocorrido em 25 de maio de 1997, exatamente na avenida Litorânea e por um pistoleiro de aluguel. Nessa chacina de Barro Vermelho, morreram, além de Bel, Fala Fina, Marcone (primo de Bel) e Cabo Cruz. Ninguém foi condenado por esse crime, até hoje.
Em 08 de julho de 2003, foram executados por pistoleiros os camponeses Antônio Gregório da Conceição, o "Saci", e Raimundo Aquino Filho, o "Raimundinho", no conflito da Fazenda Comboio, em Bacabal. Iolanda Borges e Robério Brígido, apontados como mandantes, ainda estão soltos. O advogado Valdeci Ferreira da Rocha, foi executado por um pistoleiro, em 2005, na porta do Fórum de Imperatriz. Cabe nessa conta também Laurixto, morto por um pistoleiro, em 2008, na entrada de sua casa, logo após abrir seu regime prisional.
Se formos lembrar apenas os crimes mais recentes, precisamos mencionar a execução do quilombola Flaviano Pinto Neto, morto em 2010. Os quilombolas de Pedro do Rosário, no ano seguinte. José da Cruz, morto em Pirapemas, em 2010, também. Neste mês de abril, o líder rural Raimundo Cabeça, em Buriticupu.
Fora desse grupo privilegiado de vítimas, José Ferreira Nunes (Zé Maranhão), o Presidente do Diretório do Partido Republicano (PR) em Davinópolis (município vizinho a Imperatriz), José Ferreira Nunes, conhecido como José Maranhão, que foi assassinados no dia 16/04/2011; o ex-prefeito de São José dos Basílios, Chico Riograndense, em Dom Pedro, este ano. Os dois irmãos empresários, José Mauro Alves de Queiroz e José Queiroz Filho, em São Luís. O advogado João Ribeiro, em Gonçalves Dias. O empresário Sands Emanuel e o agropecuarista, Braz Cabrini, em Imperatriz. O "Rato 8", também ocorreu na Litorânea.
A extensa lista de vítima nos faz crer que correm risco de vida não apenas jornalistas famosos. A sistemática e a persistência do crime também nos faz crer que o sistema de justiça e de segurança pública ainda não estão aparelhados suficientemente para extirpar tal prática do Estado. Pergunta-se, portanto: até quando vamos apenas lamentar os mortos?
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