domingo, 10 de março de 2013

Stalin, o fantasma inquietante

 
 
Durante quase trinta anos, de 1924 a 1953, o ditador Joseph Stalin governou a ex-URSS com métodos brutais, desconhecidos mesmo para os padrões da história russa. No começo dos anos trinta, ele foi entrevistado pelo conhecido autor de biografias, o alemão Emil Ludwig, num momento em que o seu regime ainda não havia demonstrado do que era capaz. Ao invés de um líder arrogante, como Mussolini ou Hitler, o entrevistador deparou-se com um homem simples, de aparência modesta, quase tímida, que se apresentou como um mero discípulo de Lenin. Os acontecimentos posteriores mostraram, porém, que aquele modo de ser comum, quase banal, não impediu Stalin de tornar-se um homem implacável, verdadeiro dono do destino do seu povo.
Um homem modesto

A máscara mortuária de Stalin
"Nunca, em nenhuma circunstância os nosso trabalhadores agora tolerariam deixar o poder nas mãos de um só homem. Graças a nós, personagens que tinham grande autoridade foram reduzidas a nulidade, tornando-se meras cifras, tão logo as massas de trabalhadores perderam a confiança neles, tão logo eles perderam o contanto com as massas trabalhadoras."

Stalin – Entrevista a Emil Ludwig, 1931
Quando Emil Ludwig foi introduzido no Kremlin de Moscou no dia 13 de dezembro de 1931, observou logo os canhões de ferro que estavam bem acima dele. Todos tinha gravado a letra “ N”, de Napoleão. Afixaram-nos lá desde 1812, testemunhos mudos do que acontecia a quem tentasse invadir a Rússia. De imediato, o levaram até um pavilhão que ele entendeu ser a sede do governo soviético para o seu encontro com Stalin. Que motivo levou o ditador a conceder-lhe uma entrevista? Poderia ter sido a contida euforia dele em ter, em 1929, neutralizado ou exilado uma boa parte dos seus rivais. Ele, um filho de um servo - um joão-ninguém saído do Cáucaso - , conseguira ofuscar intelectuais como Kamenev, Zinoviev e Trótski. Biógrafo de fama, Ludwig, nascido em Breslau, então na Alemanha, dominara a cena literária dos anos vinte com seus ensaios sobre Goethe (1920), Bismarck (1922) e Napoleão (1925). Todos sucessos internacionais de venda. Stalin estaria na expectativa de vir a ser o próximo a merecer a pena do alemão? Nada disso Ludwig percebeu. Encontrou-se com um homem solitário, duro, de “ olhar escuro”, desconfiado, com fala mansa, lenta, e absolutamente desprovido de ambição ou vaidade. Respondia pausadamente, como se fora o mais comum dos recrutas do partido comunista. A impressão dele é de que se tratava de alguém muito modesto, que detestava chamar a atenção. De fato, Stalin nos primeiros anos da revolução de 1917, tinha o apelido de “Obscuridade cinzenta”, por sua preferência - oposta a de Trótski - , de ficar bem longe dos holofotes (*) (*) Quando jovem Stalin (codinome que significa “Homem de Aço”), teve outros apelidos, tais como Koba, David, Nijeradze, Chijikov e Ivanovitch
Entre Pedro e Stienka Razin

Ludwig, que começou comparando-o a Pedro, o Grande, o czar reformador da do século XVII-XVIII, coisa que Stalin rejeitou, terminou em tentar associá-lo aos lendários bandidos sociais russos: a Stienka Razin e a Pougachov. Nova negativa dele. Se bem que os bolcheviques enaltecessem as rebeliões camponesas do passado, feitas contra o Czarado, lembrou a Ludwig que a grande diferença que os separava deles é que os rebeldes de outrora continuavam sendo czaristas. Lutavam sim, mas a favor de um czar “ bom”, ou “ do verdadeiro czar”. Ele não. Além disso, em relação a Pedro o Grande, ele disse que o desempenho do czar era apenas uma gota perto do oceano da importância histórica de Lenin. O czar, disse ele, somente quis assegurar o bem estar dos latifundiários e da nascente classe dos mercadores. Lenin não. Ele era o emancipador de todo o povo russo.
O papel do indivíduo na história

Homenagem do seguidores de Stalin em frente ao seu túmulo em Moscou
Dizendo-se então apenas um discípulo de Lenin, um elo da grande engrenagem do socialismo internacional, sua única preocupação era fortalecer o Estado Soviético para que assim a classe operária tivesse maiores possibilidades revolucionárias em outros cantos do mundo. Ludwig então perguntou-lhe como ele explicava que justamente o marxismo - doutrina que mais indiferença mostrara para o papel do indivíduo na história - , era quem mais celebrava, pelos menos na URSS, os seus heróis. Por todos os lados de Moscou, disse-lhe o escritor, vira retratos, estátuas, pôsteres, e afixos outros dos chefes soviéticos, como se os antigos ícones dos santos ortodoxos tivessem sido substituídos em massa pelos bigodudos do partido comunista. Não era uma contradição evidente com o materialismo histórico? Stalin, para justificar-se, invocou “A Miséria da Filosofia” de Karl Marx. Numa interpretação muito pessoal do texto de Marx, assegurou que se são os homens que fazem a história, como a cartilha dizia, nada em estranhar-se ver o povo soviético venerar os seus heróis. Quanto ao medo ao Poder Soviético, que Ludwig sentiu por toda a parte, Stalin respondeu-lhe que era um engano, que o seu regime não poderia ter sobrevivido os primeiros 14 anos apenas inspirando temor nos cidadãos. A verdade era que o Poder Soviético era apoiado pela grande parte do povo, particularmente pelos trabalhadores, tendo como oposição somente as classe moribundas, os sobreviventes das antigas classes dominantes e os culaques, os camponeses de classe média arredios à coletivização das propriedades ( determinada pelo Primeiro Plano Qüinqüenal de 1929). Não era pois o temor o que sustentava e dava estabilidade ao Poder Soviético, mas a adesão e a confiança do povo russo.

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