sexta-feira, 29 de março de 2013

Prisões, prisioneiros, os juízes de então e os de hoje

http://g1.globo.com/platb/yvonnemaggie/


Quando o atual ministro da Justiça brasileiro declarou que preferiria morrer a ter de viver em uma de nossas prisões, me referi à lenda, de muitas versões, que cerca o escritor mineiro Bernardo Guimarães, autor do romance A escrava Isaura e tantos outros. Contei que o grande romancista e poeta sofreu um processo por soltar onze criminosos da prisão de Catalão, Goiás, onde era juiz municipal e de órfãos.
Volto à história, com mais detalhes, para introduzir o tema das prisões novamente, porque é um caso bom para pensar.
Em 1861, tendo assumido interinamente o cargo de juiz de direito em Catalão, Bernardo convocou, antes do tempo legal, uma sessão de júri por estar “apiedado da situação dos presos, devido ao mau tratamento que recebiam”, como diz Alphonsus de Guimaraens Filho no livro que organizou – Poesias Completas de Bernardo Guimarães. À sessão compareceram os onze réus, unanimemente absolvidos, o que valeu ao poeta um processo movido pelo dr. José Martins Pereira de Alencastre, presidente da província, processo do qual se defendeu com energia.
Em sua causa Bernardo negou que soltara os réus alegando que não tinha contingente necessário para manter os malfeitores trancafiados. Bernardo só se livrou do processo porque a política deu uma virada que lhe foi favorável.
Um de seus filhos, Horácio Guimarães, em depoimento por ocasião da celebração do centenário de nascimento de Bernardo, referiu-se ao fato dizendo que seu pai era um homem bom:
“O que dele se diz, a propósito da soltura dos presos da cadeia de Catalão, não deixa de ter seu fundo de verdade, mas não se passou como contam. Tratava-se de uma cadeia úmida, sem as necessárias condições de higiene. Basta dizer que nela nunca entrara sol. Os infelizes que lá se achavam, estavam atacados de beribéri, uns, tuberculosos, outros. Pelo que são ainda hoje os presídios do interior de Estados, mesmo os de mais recursos, pode-se calcular o que seria nessa época longínqua a cadeia de Catalão. Compadecido da sorte dos reclusos, meu pai (e quem, em seu lugar, tendo um pouco de coração, não faria o mesmo?) deu-lhes licença para tomarem um pouco de ar, sob condição, porém, de regressarem à cadeia. Em se vendo soltos, aqueles detentos não cumpriram a palavra, o que, por ser humano não lhes deve exprobar, embora comprometessem com isso o juiz.”
E o que se dizia do escritor sobre esse fato? Dizia-se que os detentos eram seus amigos, marginais e beberrões e que diversas vezes puseram para correr o oficial de justiça que levava ordem de prisão para Bernardo e o encontrava em serestas a beber e tocar viola com os prisioneiros soltos.
A fama de Bernardo corria as Minas Gerais e conta-se que d. Pedro II em visita àquela província em 1881 quis homenagear os talentos de escritor com o título de barão, mas o poeta recusou a honraria justificando-se com as seguintes palavras: “Qual! Onde já se viu barão sem baronato?” Em outra passagem, d. Pedro pediu-lhe suas obras completas e o poeta assim o fez entregando os livros pelas mãos de suas duas filhas Isabel e Constança por ocasião da cerimônia realizada na Assembleia Provincial. O imperador e a imperatriz, rompendo o protocolo, levantaram-se para receber as meninas.
Vejam vocês que não se fazem mais juízes como antigamente, embora as prisões continuem insalubres e tenebrosas. Os presos, uns muito violentos, mas a maioria composta de pobres ladrões de galinha, ficam à mercê de uma lei aplicada por juízes que não sentem tristeza e muito menos piedade por aqueles que mandam encarcerar em masmorras desumanas.
Falei em Bernardo pensando em Julita Lemgruber que foi, no segundo Governo Brizola, no Rio de Janeiro, diretora do Desipe, a dona das chaves dos presídios do estado do Rio de Janeiro.
No livro que escreveu com a jornalista Ana Bela Paiva – A dona das chaves: Uma mulher no comando das prisões do Rio de Janeiro – conta sua saga de socióloga que teve a ousadia de estudar os presídios e, depois, sair da torre de marfim, em que muitas vezes se encastelam os cientistas sociais, para viver a vida daqueles que têm o dever de manter no cárcere os fora da lei.
Julita Lemgruber descreve como eram as cadeias na década de 1980 e 1990, e como foi difícil melhorar o sistema penitenciário em aspectos fundamentais como os assassinatos de prisioneiros, as fugas e a violência dos carcereiros contra os encarcerados. A certa altura se pergunta por que tamanha sanha contra os que infringiram as leis e foram condenados? Qual a razão da violência e como fazer para amenizar essa relação impiedosa com os prisioneiros?
Deixo os meus leitores avisados que na próxima semana falarei dos presos do final do século XX e não mais os do final do XIX e das hipóteses de Julita sobre o motivo das cadeias continuarem até hoje insalubres e violentas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário