segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Mineiro que patenteou a bina luta há 20 anos na Justiça para receber seus direitos

 
 
Nascido em Belo Horizonte, numa casa no alto da Rua Além Paraíba, no tradicional Bairro Lagoinha, Nélio José Nicolai, de 72 anos, tem bonitas histórias para contar, mas ainda aguarda pelo final feliz de uma delas. A maioria dos brasileiros pode até não ter ouvido falar desse torcedor do Cruzeiro, casado há quase quatro décadas e meia com dona Luzia e que só se matriculou na quinta série aos 20 anos de idade. Certamente, porém, você, seus familiares e amigos se beneficiam no dia a dia com pelo menos uma das invenções de Nélio. Ele é o criador do bina, serviço oferecido por todas as operadoras de telefonia do planeta e cujo nome foi inspirado na frase "B identifica A".

A maior invenção dele também é motivo de sua maior dor de cabeça. Embora Nélio tenha patenteado o bina, criado no fim da década de 1970, quando era técnico em telecomunicações na Telebrasília, ele luta na Justiça há 20 anos para receber uma espécie de royalty mensal do serviço. No início de setembro, a Claro o procurou para um acordo. "As operadoras cobram US$ 6 (cerca de R$ 12) de cada cliente em todo o mundo. Como preciso sobreviver, aceitei a proposta. Não posso dizer o valor, mas é uma miséria em relação ao que tenho direito. Em relação as outras empresas, aguardo decisão do Judiciário". A Vivo já foi condenada em primeira instância e recorreu.

Fora do Brasil as coisas são diferentes. A World Intellectual Property Organization (Wipo) o condecorou com medalha e certificado. Mas quem disse que a vida dele foi fácil? Filho de uma dona de casa e de um dono de bar, o inventor é o caçula de nove filhos - sete mulheres e dois homens. Quando criança, sonhava ser jogador de futebol. Na adolescência, foi quarto-zagueiro e lateral esquerdo na equipe juvenil do Cruzeiro, time fundado pela colônia italiana, da qual pertencia avô de Nélio. Apesar da dedicação, ele não teve muitas oportunidades e se transferiu para o Pedro Leopoldo, na cidade homônima da Grande Belo Horizonte. "Disputei o Campeonato Mineiro de 1965".

Sua maior recordação é uma foto preta e branca na qual disputa uma jogada com o craque Tostão, campeão mundial, ao lado de Pelé e companhia, no México. "Guardo a fotografia comigo", disse, contando que sua equipe perdeu aquela partida por 4 a 1. Naquele tempo, ele cursava o ensino técnico no Cefet. "Fiquei muitos anos sem estudar. Recordo que, depois de servir o Exército, me matriculei na 5ª série. Tinha 20 anos. O primeiro dia foi difícil porque o resto da turma, todos com 11 ou 12 anos, me chamavam de tio. Pensei em sumir". Mas Nélio foi em frente e conquistou o diploma de técnico em eletrotécnica.

Ele já havia deixado os gramados quando recebeu o convite para jogar num clube de futebol de salão que a Ericsson havia montado na capital. "Deus me deu a mão. Por causa do futebol, consegui emprego numa terceirizada da empresa de telefonia".

Idealismo

O novo emprego lhe exigiu muitas viagens. Numa delas, desembarcou em Brasília, onde foi convidado a trabalhar na telefônica local. Foi lá que ele teve a ideia de criar o bina. "Como não havia laboratório na Telebrasília, montei o bina numa máquina de calcular. A operadora não botava fé na minha criação, dizia que era quebra de sigilo (telefônico) e que países como os Estados Unidos jamais iriam usá-lo. O que seria uma honra em qualquer país se transformou numa guerra para mim, pois comecei a ser isolado dentro da empresa. Chefe de departamentos e diretores começaram a me ignorar e me deixavam sentado em uma mesa sem fazer nada. Comecei a adoecer".

O martírio maior veio em 1984, quando foi despedido. O motivo é curioso: "Havia sido eleito o funcionário padrão em 1982 e em 1983, mas, no ano seguinte, em razão de muitos clientes quererem comprar o bina, a firma me despediu com a justificativa de que eu estava atrapalhando a empresa. Um absurdo. Tanto que outros países, sabendo da minha demissão, me convidaram para trabalhar lá fora. Recusei, porque meu lugar é aqui. Sempre fui idealista. Sou brasileiro", desabafou o inventor, criador de outros serviços, como o salto - serviço sonoro que indica, durante um telefonema, que há outra chamada na linha. Também é dele o Bina-lo, que registra as chamadas perdidas.

Aposta de loteria no Afeganistão

O inventor Nélio José Nicolai não para. Agora quer convencer a Caixa Econômica Federal (CEF) de que apostas nas loterias podem ser feitas nos caixas eletrônicos. "Se a pessoa estiver no Afeganistão e lá tiver um caixa da CEF, poderá fazer a aposta". Além das invenções, o mineiro ganha a vida prestando consultorias pela Lune, empresa que montou, em 1993, e cujo nome é a junção das iniciais do nome da esposa, Luzia, com o dele.

"Gosto tanto de conversar que, quando alguém me procura para uma consultoria, percebo que conto tudo antes de assinarmos o contrato para o serviço", disse Nélio, acrescentando que o dinheiro que recebeu da Claro foi investido na Lune. Mas o que ele mais deseja é o fim da batalha judicial contra as operadoras.

"A lei que trata das patentes tem um artigo que diz que o titular pode impedir todos de usarem o invento ou licenciá-lo. Na época, o juiz concedeu uma liminar para as multinacionais usarem a vontade. É um crime de 'lesa-pátria', pois a patente do bina para o Brasil é um patrimônio importante. As multinacionais faturam US$ 39,6 bilhões por mês. Eu e o Brasil não recebemos nenhum centavo. Só em nosso país há 256 milhões de celulares", lamentou Nélio, pai de quatro filhos.

O mais velho lhe deu dois netos. A eles, quando crescerem um pouco mais, Nélio ensinará à dupla uma frase que lamenta dizer: "Para que tenhamos uma democracia boa, o Judiciário precisa ser mais ágil". (PHL)

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