Um dos obstáculos do acesso à Justiça no Brasil, a cobrança de custas judiciais, é objeto de um anteprojeto de lei elaborado pela Comissão de Custas do Conselho Nacional de Justiça, grupo de trabalho sob a direção do conselheiro Jefferson Kravchychyn. O texto do anteprojeto deve ser submetido ao Plenário do órgão e então encaminhado ao Supremo Tribunal Federal. Aprovado pelo STF, o anteprojeto será enviado ao Congresso Federal para ser incluido no 3º Pacto Repúblicano, iniciativa conjunta dos três Poderes que prestigia projetos de lei tidos como essenciais para Judiciário.
O esforço esboçado no anteprojeto é o de uniformizar as normas de cobrança das custas judiciais no país, muralha que barra o acesso à Justiça pela maioria da população em razão da complexidade de critérios e regras que vigoram de forma fragmentada nos estados.
Além de regulamentar a cobrança de custas judiciais, o anteprojeto tem como objetivo corrigir uma distorção histórica no que toca o acesso à Justiça, que torna elevados os custos processuais em primeira instância ao passo em que impõe custos baixos aos litigantes que não pensam duas vezes ao recorrer.
“A Constituição prevê o acesso amplo à Justiça. Como as custas em primeiro grau são mais caras, fica mais difícil para o pobre mover uma ação judicial. E até mesmo para a classe média. Como o recurso é muito barato, a sentença de primeiro grau acaba não tendo valor algum”, afirma Kravchychyn. “Sabe-se que a grande massa dos recursos é apresentada por grandes litigantes, que perdem em primeiro grau. Temos que inverter a lógica e obedecer a Constituição”, pondera.
Por quase dois anos, a comissão fez estudos para formular propostas que tornem a Justiça mais acessível, além de reformular e unificar a colcha de retalhos de valores estipulados nos estados da Federação, por conta de regras locais confusas e descoincidentes entre si.
O conselheiro Jefferson Kravchychyn observa que o objetivo de uma norma federal geral seria harmonizar leis locais concorrentes, além de tornar, de fato, efetivo o acesso à Justiça em regiões mais carentes, “No caso dos tribunais, onde as custas são mais caras? Nos estados com menor IDH [Índice de Desenvolvimento Humano], com menor renda per capita. Onde são mais baratas em primeiro grau? Em São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina. Ou seja, é uma inversão total da lógica da Justiça”, diz Kravchychyn.
Durante os dois anos de trabalho, foram feitas oitivas em tribunais e em seccionais da OAB e foi aberta uma consulta pública que repercutiu em mais de 400 sugestões. As inúmeras intervenções foram avaliadas e incorporadas ao anteprojeto que será votado pelo Plenário do CNJ antes de ser encaminhado ao Supremo.
O projeto foi amparado tecnicamente no estudo formulado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, que estabeleceu um perfil da fixação de custas judiciais no Brasil, usando como parâmetro de comparação modelos vigentes em outros países.
O texto do anteprojeto estabelece o cálculo das custas a partir de percentuais sobre o valor da causa, não podendo ultrapassar 6% somados os custos em todas as fases do processo. O jurisdicionado deve pagar até 2% do valor da causa na 1ª. Instância e, se decidir recorrer, mais 4%.
“O objetivo é também valorizar a sentença no primeiro grau e não simplesmente dificultar o recurso”, diz Kravchychyn. "É uma questão de lógica, mais do que de Direito. O atual quadro favorece os devedores, quem não quer cumprir contrato. O projeto, portanto, é técnico. Vai atingir grupos que se beneficiam do atual modelo”, observa ao ponderar que grandes litigantes, responsáveis pelo esmagador volume de recursos em trâmite na Justiça, lucram em cima dos vícios do atual modelo.
O conselheiro observa ainda que, além de desonerar o acesso à Justiça, o projeto cuida da arrecadação, sem incorrer na imposição de um parâmetro irreal, que prejudique o funcionamento dos tribunais. "A questão é permitir que cada tribunal trabalhe dentro de suas necessidades financeiras. Porque, hoje, se você simplesmente cortar as custas ou criar um parâmetro irreal em termos dos custos do próprio tribunal e do processo, você quebra a corte”, afirma.
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