segunda-feira, 4 de junho de 2012

"A tese da desindustrialização é uma cortina de fumaça"

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A discussão sobre a desindustrialização brasileira parece seguir o ritmo das marés: volta à baila a cada turbulência no horizonte. De fato, a indústria brasileira é hoje a primeira a sentir os efeitos da crise externa ou das variações de câmbio.

Por Carla JIMENEZ

No entanto, esse debate é raso e esconde algumas peculiaridades do País, avalia Alexandre Barbosa, professor de história econô­mica e integrante do Insti­tuto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP). “Há in­ves­timentos estrangeiros de forma expressiva no País,  adaptando-se a padrões de consumo, estabelecendo centros de pesquisa local”, diz Barbosa. “Isso é estar perdendo indústria?” Para ele, esse debate esconde as mudanças estruturais na economia global. “Hoje a indústria não precisa mais ser o carro-chefe da economia.”

DINHEIRO – Existe desindustrialização no Brasil?
ALEXANDRE BARBOSA – A tese da desindustrialização é uma cortina de fumaça, que atinge apenas a superfície do problema. Não se percebe as transformações estruturais pelas quais a economia brasileira e a mundial estão passando. É muito cedo para entregar os pontos. Há um pessoal de esquerda que chama de desindustrialização a queda da participação da indústria no PIB, ou a menor presença de manufaturados na pauta de exportações. Isso não relata o processo completo do setor. O pessoal mais neoliberal, por outro lado, adota o discurso de que se trata de um processo natural, que os países desenvolvidos passaram por isso e estamos entrando nessa maturidade.

DINHEIRO – Qual dos dois lados está certo?
BARBOSA – As duas visões estão mirando o alvo errado. Ficamos muito presos a um debate conjuntural e deixamos de pensar nos movimentos estruturais. E o Brasil é um dos países que estão razoavelmente bem colocados nesse contexto, com uma indústria forte e diversificada. O País passou por um quadro difícil, é verdade, com a China jogando produtos baratos no mercado, num contexto de câmbio valorizado e taxa de juros elevada. Mas não é uma tendência, é um período de transição. Foram outros países latinos que se desindustrializaram, como Peru e Chile. O Brasil, não.
 
DINHEIRO – Outros latinos também?
BARBOSA – Sim, todos, menos México e Argentina. Os mexicanos, em todo caso, são atrelados aos Estados Unidos e assumiram o papel de “maquiadores”. Os argentinos, por outro lado, dependem do Brasil. O restante está desindustrializado. Para abrir esse debate, é preciso compreender a especificidade brasileira. O conceito de desindustrialização, aliás, fazia parte de uma tese da Unctad, em um documento de 2003. Eles colocavam ali, China e Índia numa industrialização rápida, a Coreia, como um setor mais maduro. E a América Latina como um processo de desmonte precoce. 
 
DINHEIRO – Não vale para o Brasil, então?
BARBOSA – O Brasil continua sendo um dos países com mais receptividade de investimento estrangeiro direto, inclusive na área industrial. Há investimentos de grandes e pequenos grupos, de forma expressiva no País, inclusive adaptando-se a padrões de consumo, estabelecendo centros de pesquisa e desenvolvimento local. Isso é estar em desindustrialização? E os empregos gerados de 2003 a 2008? Veja, da década de 1930 a 1980, tivemos industrialização. Nos anos 1980, congelamos nosso parque industrial. Na década seguinte, perdemos alguns elos de cadeias produtivas, com a abertura comercial. Se houvesse um processo do gênero, teríamos perdido muito mais nos anos 1990. 
 
DINHEIRO – Mas corremos algum risco de perder nosso parque industrial?
BARBOSA – Sim, se não executarmos políticas industriais de longo prazo.  O governo já está fazendo isso, aproveitando o cenário e deixando a desvalorização da moeda, e com soluções como a das compras governamentais, que incentiva o fornecimento de empresas locais. Mas é preciso entender que, num novo regime macroeconômico, a indústria pode crescer menos que o PIB geral e deixar de ser um carro chefe. O setor industrial era o motor da economia quando estávamos saindo da hegemonia da  produção de café. 
 
DINHEIRO – O que seria um regime novo?
BARBOSA – O que começa a vigorar depois da crise de 2008, quando subimos juros, e a China chegou com a enxurrada de importados, pegando a indústria. Até então, não havia esse debate. Mesmo a China está aumentando sua atuação aqui, mas ainda é uma presença limitada. No ano passado, fiz um trabalho, junto com o professor americano Rhys Jenkins, da University of East Englia,da Inglaterra, analisando a participação dos produtos chineses em 100 setores brasileiros, em 2008. E não havia, definitivamente, um desmonte da indústria no Brasil. Houve, sim,  problemas para alguns setores específicos.
 
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Linha de montagem da GM, em São Paulo.
 
DINHEIRO – Alguns segmentos de baixa utilização tecnológica correm o risco de desaparecer?
BARBOSA – Veja, precisamos manter um núcleo industrial, intensivos em tecnologia, automotivo, siderúrgico, de química, e manter setores intensivos em mão de obra. Mas esses setores intensivos em trabalho, num cenário macroeconômico muito negativo para eles, já começaram a reagir. Em 2007, o coeficiente das importações chinesas no consumo aparente no setor têxtil, por exemplo, variava de 3% a 12%, dependendo do elo da cadeia. Nessa mesma época, o coeficiente de importação para toda a indústria brasileira chegava a 18%., superior, portanto, ao da cadeia têxtil. 
 
DINHEIRO – Mas essa participação aumentou recentemente...
BARBOSA – Segundo levantamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), esse número chega a 22%, incluindo a concorrência chinesa e do resto do mundo. Mas, de fato, algumas cadeias tendem a encolher, sim. 
 
DINHEIRO – É o efeito China?
BARBOSA – A presença chinesa é menor do que se imagina. Analistas pegam dados da China e extrapolam para daqui a dez anos.  Mas esquecem que os países reagem. Inclusive o Brasil, que tem apresentado respostas. 
 
DINHEIRO – Podemos dizer que a China acabou contribuindo para mudanças fundamentais, como queda de juros e redução de tributos para alguns setores?
BARBOSA – Boa parte dos analistas coloca a China como bode expiatório. Eu a vejo como fator de mudança estrutural da economia global. Hoje, somos um dos poucos países do mundo com uma indústria desenvolvida, um mercado interno poderoso e com larga produção de commodities. Bem, os neoliberais falam das “jabuticabas”, coisas que só o Brasil tem, não é? Pois, então, eles não valorizam essas especificidades. Isso desvia o foco do que é mais essencial.
 
DINHEIRO – E o que é essencial?
BARBOSA – Embora a discussão seja a indústria, a questão mais importante é o combate à desigualdade social. Pode parecer algo fora do debate, mas precisamos de um novo padrão de desenvolvimento, em que setores intensivos em tecnologia sejam a base da geração de riqueza. A indústria precisa estar atrelada ao setor de serviços, construção, agricultura, de modo que possa gerar melhores empregos. Senão, esse crescimento não tem efeitos em cadeia. 
 
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Fazenda de café em São Paulo, no início do século 20.
 
DINHEIRO – As empresas se queixam da alta dos salários e da falta de mão de obra.
BARBOSA – Não concordo com esse diagnóstico. É um mito que a imprensa ajuda a endossar, o tal do apagão de mão de obra. Boa parte dos empregos no Brasil é de escassa qualificação e paga baixos salários. Agora, se quisermos ir para a fronteira do conhecimento, temos de investir mesmo. O Brasil nunca fez essa aposta. Governo e empresas têm de fazê-la. Temos um excedente fantástico de mão de obra no País. O problema é que é de baixa qualificação. O apagão é bom, por um lado, porque significa que nos acostumamos a investir na baixa qualificação. E somos obrigados a mudar. A melhora dos salários, por sua vez, reflete a dinamização econômica que estamos vivendo.
 
DINHEIRO – O que o sr. achou da ajuda do governo ao setor automotivo?
BARBOSA – É preciso expandir o foco. Essas medidas tendem a se esgotar, mas é o mais fácil a se fazer. Não terá o mesmo impacto da crise de 2008, em todo caso. Vai na direção certa, ajuda a desovar estoques, mas precisamos fazer uma política mais estruturante. 
 
DINHEIRO – Os empresários estão felizes com a queda de juros, mas muitos dizem que só vão ampliar investimentos quando o custo Brasil reduzir. Tem solução?
BARBOSA – Essas declarações de alguns empresários brasileiros precisam ser ouvidas com cautela. Faz parte do DNA deles falar do custo Brasil. Há cada vez mais déficit de representações do empresariado. Nós não sabemos quem são os novos representantes dessa economia. Não acho que o chamado custo Brasil seja o impeditivo para investir no longo prazo. Quem fala assim procura defender as trincheiras do empresariado. 
 
DINHEIRO – Nas últimas semanas, analistas internacionais têm dito que o Brasil deixou de ser um “queridinho”, como em 2011...
BARBOSA - Eu leio isso de forma positiva, um País que quer avançar em setores mais intensivos tem de ter políticas estruturais, e não ser queridinho apenas para atrair fundos de investimentos. A recente saída de capitais tem a ver com a crise europeia. O investimento direto estrangeiro deve ter uma pequena queda neste ano, mas em 2011 a entrada foi de quase US$ 70 bilhões, um recorde.
 
DINHEIRO – Mesmo no  caso do investimento direto, há  quem diga que alguns projetos chineses foram engavetados por excesso de interferência do governo na economia.
BARBOSA – Os chineses querem exportar e que nós apenas montemos os produtos deles. Priorizar conteúdo local me parece correto. Não se pode ficar só aí, mas é correto. O Brasil tem de ser queridinho para sua sociedade, o que não tem nada a ver com romper contrato. Mas significa ter parâmetros duradouros.

 

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