Governo e mídia tentam deslegitimar o direito à mobilização dos metroviários e ferroviários, taxando a greve realizada no último dia 23 como ilegal
Metroviários e ferroviários de São Paulo foram duramente criticados pela greve realizada no dia 23 de maio, devido ao transtorno que a paralisação de parte do sistema de transporte público trouxe para a capital paulista. Quatro linhas da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) e duas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) foram paralisadas por cerca de 19 horas.
No discurso oficial, a conduta dos trabalhadores de interromperem uma atividade essencial para a população foi ilegal. Além disso, o Ministério Público de São Paulo instaurou um inquérito para apurar as responsabilidades dos sindicatos e dos trabalhadores pelo descumprimento da ordem do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) que determinou que fosse mantido 100% do efetivo nos horários de pico e 85% nos demais horários no metrô, e 85% nos horários de pico e 70% no restante do dia na CPTM.
De acordo com Emanuele Madalena Pedra Oliveira, diretora do Sindicato dos Ferroviários da Central do Brasil, as linhas 11-Coral e 12-Esmeralda da CPTM foram paralisadas totalmente, mas o restante do sistema permaneceu em operação, cumprindo, assim, a determinação judicial.
O presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo (Metroviários-SP), Altino de Melo Prazeres Júnior, por sua vez, argumenta que o cumprimento da determinação era impossível, já que nem a própria companhia coloca todo o efetivo em operação durante o funcionamento regular do sistema. “Se o metrô não consegue cumprir a medida, como isso pode ser pedido aos trabalhadores?”, questiona.
De acordo com o juiz e professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Jorge Luiz Souto Maior, antes de se pretender punir o sindicato e os trabalhadores pelo descumprimento, tem que se analisar até que ponto a ordem judicial era passível de ser respeitada, ou se ela por si só não extrapolou os próprios limites. “A decisão do Tribunal do Trabalho de impor que o serviço fosse prestado com 100% do efetivo, de fato, acabou negando a essência do direito de greve e infligiu uma obrigação inexequível, na medida em que se fosse manter 100% não haveria greve alguma”, detalha o juiz.
Além disso, conforme ressalta Prazeres Júnior, “se com todo o esforço possível a gente colocasse toda a frota para rodar, que não acontece normalmente, estaríamos trabalhando mais do que o normal”.
O juiz explica que a responsabilidade por uma greve não deve ser imputada apenas aos trabalhadores, já que só se chega à greve em virtude da ineficácia da negociação, quando também o empregador se nega a atender as reivindicações dos trabalhadores. “Na frustração de uma saída negociada, a greve aparece como um meio legítimo de luta dos trabalhadores”, afirma Souto Maior.
A negociação entre os trabalhadores e o Metrô foi iniciada em abril. Após cinco rodadas, diante da negativa da companhia em atender as reivindicações feitas pelos trabalhadores, os metroviários deram indicativo de greve no dia 16 de maio. Ambos os lados foram convocados para uma audiência de conciliação no TRT no dia 22, mas, segundo o presidente do Metroviários-SP, a proposta apresentada era muito inferior à solicitação dos trabalhadores e a empresa manteve a recusa à negociação, por isso foi deflagrada a greve no dia 23.
Já no caso dos ferroviários, conforme relata Emanuele, desde março os trabalhadores tentavam um acordo com a CPTM. “Fizemos quatro reuniões, depois mais duas. Foram quase 80 dias. A assembleia decidiu que não dava mais para aguentar”, conta a diretora sindical.
Direito constitucional
Souto Maior explica que existem diversos meios para que os trabalhadores possam reivindicar seus direitos, mas, “do ponto de vista da eficácia, historicamente se sabe que a greve é o único momento em que um impasse na negociação acaba sendo solucionado”. Por isso, segundo ele, considerar a greve como ilícita é “negar aos trabalhadores um meio de luta”.
O juiz ressalta também que, mesmo se tratando de um serviço essencial, os trabalhadores do transporte público, assim como qualquer outros, têm assegurado o direito constitucional à greve. “Nessa perspectiva, o reconhecimento do direito de greve implica no reconhecimento do sacrifício de alguns outros direitos que confrontam eventualmente com o seu exercício”, completa Souto Maior.
Motivação política
O Metrô, em nota, qualificou a greve de “nociva e inútil”, que teve “o claro objetivo de prejudicar a população dentro de uma agenda político-eleitoral”. Já para a CPTM, a decisão de greve foi “oportunista” e serviu para “atender a outros interesses que não os dos trabalhadores”. As afirmações das companhias seguiram declarações do governador Geraldo Alckmin, que no dia da greve disse que a população estava sendo “cruelmente punida” por um “grupelho radical” que descumpriu uma decisão judicial para paralisar o metrô. Na mesma linha, em editorial, o Grupo Bandeirantes de Comunicação atribuiu a greve a “interesses e oportunismos políticos”.
O presidente do Metroviários-SP, no entanto, ressalta que a mobilização dos metroviários foi motivada por questões de ordem trabalhista. “Nós fizemos uma greve por reivindicações salariais e saímos dessa campanha com resultados positivos do ponto de vista salarial”, afirma.
A paralisação dos metroviários foi encerrada após acordo firmado em audiência de conciliação no TRT que estabeleceu reajuste salarial de 6,17%, aumento do vale-refeição para R$ 23 e do vale-alimentação para R$ 218. Além do aumento de 10% para 15% do adicional de risco de vida dos agentes de segurança e de estação. Os ferroviários também encerraram a greve após obter no tribunal a garantia de correção salarial de 4,6% mais 1,94% de produtividade sobre todos os benefícios, e aumento do vale-refeição para R$ 20.
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