sábado, 9 de junho de 2012

------------------------Ceia, cânticos e batalha tribal fazem parte de ritual espiritual dos Enawenê

http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2012/06/ceia-canticos-e-batalha-tribal-fazem-parte-de-ritual-espiritual-dos-enawene.

Equipe do Globo Repórter acompanha a impressionante ceia dos espíritos.


Nos dois meses que os Enawenê ficam nas barragens, uma parte da tribo permanece na aldeia. São os Harekare, os anfitriões.
É nesta maloca redonda, diferente das outras, que os Enawenê guardam tudo para a cerimônia do Yaokwa. É a casa dos espíritos.
Neste local místico onde são guardados os instrumentos do grande ritual. Vamos falar com o indigenista Fausto Campoli. Ele viveu dez anos com os Enawenês.
Fausto conta que o povo se considera guardião do equilíbrio entre os seres humanos e a natureza.
Na verdade os Enawenê não têm cotidiano. A não ser que você considere a vida ritual cotidiana.
Para ele, os índios simplesmente não conseguem entender porque os brancos destroem a natureza.
Para eles, os brancos não sabem que os espíritos vão se vingar, porque os espíritos são donos dos recursos naturais. Eles julgam que a nossa cegueira é tanta que a gente não consegue enxergar isso. Mas que eles, os Enawenê, sabem isso.
Nas barragens, foram poucos os peixes que eles conseguiram pescar. Está virando rotina. A pescaria diminui a cada temporada.
Pelo quarto ano seguido os índios não conseguiram peixe suficiente nas barragens. E recorreram à Funai, que este ano está fornecendo 27 toneladas, retiradas de reservatórios particulares.
Os peixes são transportados num caminhão frigorífico até a beira do Rio Juruena. Em grandes jiraus, no meio da selva, os peixes são defumados durante cinco dias. Os fogões à lenha estão enfileirados por mais de 100 metros na margem do rio, com muita fumaça. Quando os peixes estão prontos, o grupo também começa a se preparar para a ceia dos espíritos. Eles pintam o corpo com resina de jenipapo. Os barcos são carregados com os cestos cheios de peixe.
E em seguida começa o retorno até a aldeia. Mais de quarenta barcos, guiados pelos índios, partem numa jornada de alto risco.
A viagem continua na escuridão. Todos conseguem chegar ao local do desembarque, perto da aldeia. E montam rapidamente um novo acampamento, ao lado do rio. Eles precisam estar prontos ao amanhecer.
Na primeira luz do dia, os últimos retoques. Eles estão se transformando. Cobrem o corpo de argila. Usam adornos de palhas e cocares de penas negras de mutum.
Os Yaokwa passam a incorporar os Yakairiti, os espíritos do mal. Vão caminhar dois quilômetros para chegar até a aldeia. Mas antes de sair, percebemos que alguns índios querem falar. Estão magoados.
Eles não estão satisfeitos por estarem voltando para a aldeia com peixe que não foi pescado por eles.
Em fila indiana, no mais completo silêncio, seguem carregados pelo caminho que foi preparado pelos anfitriões.
Nas costas, os cestos com o peixe defumado. Alguns desses fardos pesam mais de sessenta quilos. Um deles também carrega o filho pequeno nos braços.
A carga é deixada na entrada na aldeia. A chegada dos Yaokwa é solene. Lentamente, passo a passo. Eles entram na aldeia. Quando se aproximam da casa dos espíritos, são recebidos pelos que ficaram. Entram em confronto. Cenas reais, que se repetem a cada ano.
O pátio central da aldeia vira uma praça de guerra tribal. Os índios revelam que muitos acertos de contas entre eles acontecem durante este encontro. Os Yaokwa capturam os Harekare e tiram suas roupas. Os ataques se sucedem. As comemorações entram pela noite. Os rituais acontecem em volta de uma grande fogueira.
A bebida de mandioca, a xixa, é jogada no chão. Uma oferenda aos seres imaginários do mundo inferior.
Antes de oferecer os peixes, eles repetem as mesmas frases. Conversam com os espíritos. Estão dizendo: "eu fui para a barragem de pesca e voltei. Estou com vergonha, porque trouxe pouco peixe. Mas vou pescar mais. Agora vou beber xixa e oloiti. E sugar o sal".
Não olham uns para os outros, pois consideram que estão falando diretamente com os espíritos, com os Yakairiti.
A noite das oferendas. A grande ceia dos espíritos. O cardápio é limitado. Peixe, mingau de milho, beiju de mandioca, e sal. Mas o apetite dos Yakairiti parece ser insaciável. Parece que eles estão sempre com fome. E os Enawenê-nawê passam a vida toda alimentando os espíritos.
É hora de servir o sal, que junto com os peixes, é uma das principais oferendas. O sal é reservado para este ritual. Eles raramente usam sal para temperar alimentos.
Um dos momentos mais impressionantes da longa maratona dos Enawenê é este: lado a lado, muito concentrados, num ritmo só, eles cantam em frente a uma maloca, onde mora o chefe dos anfitriões, o responsável pela organização da grande ceia dos espíritos.
No final, os índios trocam os cocares pretos com que chegaram à aldeia, por outros, amarelos. É sinal de missão cumprida para os construtores das barragens. Tradições que eles se esforçam para preservar, mesmo sem a fartura do passado

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