Universidade, criada em 1934, passou a existir a partir da necessidade de o estado paulista se posicionar no país durante o governo de Getúlio Vargas
O Globo Universidade deste sábado foi até a Universidade de São Paulo (USP) mostrar que a internacionalização do mundo acadêmico deu certo naquela instituição. A USP possui uma estreita relação com universidades e pesquisadores no mundo todo e desde sua origem, em 1934, tem influência de estrangeiros. Criada como uma forma de posicionar o estado de São Paulo no país, que à época era governado por Getúlio Vargas, a USP recebeu missões francesas, que vieram especialmente para formar o corpo docente da universidade. Intelectuais de peso como Roger Bastide (Sociologia), Claude Lèvi-Strauss (Antropologia) e Fernand Braudel (História) fizeram parte da criação da USP. Instituto de Educação Caetano de Campos
(Foto: Divulgação/USP/CCS/DVIDSON-Argus
Documentação/ Jorge Maruta)
No estado de São Paulo não havia uma universidade, existiam escolas superiores independentes, sendo a mais antiga a Faculdade de Direito, criada em 1827. Desde o final do século 19, o Brasil tentou algumas vezes implantar uma universidade, mas sem sucesso. Entre os anos 1920 e 1930, houve um período de efervescência cultural e científica, momento em que o Brasil estava tentando se modernizar. Alguns intelectuais, liderados pela Associação Brasileira de Educação (ABE), estavam tentando mudar o país com um movimento por uma educação mais abrangente e mais moderna, com fomentos à ciência e à tecnologia. Além disso, a Revolução Constitucionalista de 1932 foi fundamental para adiantar esse processo. A luta entre os tenentes ligados à ditadura getulista e à elite intelectual paulista, que saiu derrotada, aumentou a necessidade da criação de uma universidade em São Paulo para suprir a falta de dirigentes no estado. Segundo Shozo Motoyama, professor titular do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tudo isso representava a mudança de um Brasil agrário para um Brasil industrial.(Foto: Divulgação/USP/CCS/DVIDSON-Argus
Documentação/ Jorge Maruta)
Shozo Motoyama é professor de História na USP
(Foto: Divulgação/ Francisco Emolo)
“Como resultado disso, aconteceu a Revolução de 1930, quando a oligarquia cafeeira dominada por São Paulo e Minas Gerais foi derrotada e deu poder a Getúlio Vargas. Nesse processo complexo, houve uma tentativa do estado paulista retomar a liderança. Primeiro, porque a Revolução de 30 estava acima da constituição, e em 1932 houve a famosa Revolução Constitucionalista que pretendia a derrubada do governo provisório de Getúlio Vargas. São Paulo enfrentou todo o Brasil e perdeu a briga comandada pelo um grupo liderado por Julio Mesquita Filho, secretário e redator do jornal Estado de São Paulo”, explica Shozo.(Foto: Divulgação/ Francisco Emolo)
Foi a partir daí que os líderes do movimento procuraram uma forma de o estado recuperar sua hegemonia: uma elite capacitada que pudesse liderar o país. Resolveram, então, lutar pela construção da universidade. Getulio percebeu que ter São Paulo como inimigo não era bom para o seu governo. Nesta época, ele estava enviando interventores para diversos estados. Para o estado paulista, nomeou Armando de Sales Oliveira, que em 1934 criou a USP, reunindo as faculdades existentes e institutos de ensino. Abriu-se a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que oferecia as matérias básicas para todos os cursos, e assim surgiu a Universidade de São Paulo.
Segundo Shozo, embora a organização da universidade tenha sido feita inteiramente pelos brasileiros, dentre eles pessoas que já tinham trabalhado com educação, como Fernando de Azevedo e Paulo Duarte, a Escola Politécnica trouxe muitos estrangeiros, principalmente nas áreas científicas e tecnológicas, porque o país estava muito atrasado nesses campos de estudo. E a mesma lógica de importar professores serviu para a criação da USP. “A sabedoria dos dirigentes foi reconhecer que estávamos atrasados e que precisávamos de pessoas competentes, não necessariamente famosas, para ter um ensino de qualidade”.
A USP foi criada em uma época logo precedida pela Segunda Guerra Mundial, quando na Europa havia um surgimento forte do nazismo e do fascismo. No mesmo momento, havia uma inquietude muito grande da juventude. E a USP, por ter defendido uma ideologia liberal, não trouxe professores dos países fascistas e nazistas para as áreas de humanidades. “Mas como sabia que a Alemanha tinha muita tecnologia, a USP importou pesquisadores alemães das áreas exatas. Enquanto que para os cursos de humanidades trouxe os franceses”. Georges Dumas, professor de sociologia da Sorbonne, se comprometeu a enviar, anualmente, ao Brasil, professores de várias universidades francesas, sendo o contato de Júlio de Mesquita Filho, na França, para a seleção dos professores que vieram a compor o corpo docente.
(Foto: Divulgação/ Agência Estado USP/CCS/
DVIDSON/Argus Documentação)
“A importância de professores franceses, como Roger Bastide (Sociologia), Claude Lèvi-Strauss (Antropologia), Fernand Braudel (História), entre tantos, foi grande para o processo de consolidação das ciências humanas na USP. A influência francesa teve mais impacto sobre a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP do que sobre a Faculdade Nacional de Filosofia da URJ (Universidade do Rio de Janeiro, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro). Os franceses davam aula na USP em sua língua e os alunos tinham que se virar para entender. Florestan Fernandes, que mais tarde se tornou catedrático da cadeira de Sociologia I, e Antonio Cândido são exemplos de grandes intelectuais que foram formados pelos franceses”, explica.
Maria de Fátima, professora da UFF
(Foto: Divulgação)
Outro aspecto interessante apontado por Maria de Fátima é que em São Paulo houve, desde o início, a preocupação de que a universidade tivesse autonomia dos poderes políticos. Além disso, o modelo da Universidade de Berlim, que pensa uma universidade autônoma aliando ensino e pesquisa, foi seguido pela USP. “Foi mais uma inspiração. Embora a USP tenha recebido fundamentalmente professores franceses, se utilizou desse modelo alemão”.
(Foto: Divulgação)
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