domingo, 19 de maio de 2013

"Dilma acusou Lamarca de não ter sustentação teórica", diz ex-guerrilheiro


 
 
Wellington Diniz assaltou, foi acusado de assassinatos, preso, torturado, exilado e produziu filmes. Ele fala às vésperas de ser julgado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça
 
 
Quem observa o senhor franzino, de 66 anos, morador do Bairro Carmo, em Sete Lagoas, é incapaz de imaginar o peso da história que ele carrega. Wellington Moreira Diniz lutou contra a ditadura militar no Brasil, participou de ações armadas em bancos e quartéis para abastecer organizações como Colina, Var-Palmares e VPR com armas e dinheiro; foi responsável pela segurança do ícone da resistência, o capitão Carlos Lamarca, e presenciou a jovem Dilma Rousseff, então com 21 anos, discutir asperamente com Lamarca.

Fez, ainda, parte do grupo que roubou US$ 2,598 milhões (R$ 15 milhões, atualmente) do cofre da amante do político Adhemar de Barros; foi preso e cruelmente torturado, depois libertado em troca do embaixador suíço que havia sido sequestrado por seus companheiros. Exilado no Chile, foi segurança do então presidente cubano, Fidel Castro, quando este visitou o país governado por Salvador Allende, em 1971. Trabalhou como assistente em produções do diretor de cinema chileno Miguel Littín e do italiano Roberto Rosselini, e lutou pela independência de Angola, ao participar da tomada do aeroporto na capital Luanda.

Até a quarta-feira da semana passada, Wellington nunca havia contado sua trajetória. Em um depoimento de quase três horas, ele revelou ao Correio/Estado de Minas detalhes da sua biografia. Acusado de 38 assaltos, entre bancos, quartéis e automóveis, e de ter matado 12 pessoas em ações de resistência à ditadura, ele será julgado na próxima sexta-feira (24) pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. O deputado federal e ex-ministro dos Direitos Humanos Nilmário Miranda (PT-MG) será o relator do processo de Wellington e destaca: "A anistia não discrimina luta armada e luta pacífica. Em uma situação de ditadura é considerado lícito que os militantes peguem em armas".

"Se eu era bravo? Bravo é boi. Eu seguia as necessidades do momento", entende Wellington. A ficha do Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão do Exército à época, imputa-lhe 38 ações, mas ele garante ter participado de 45. Sobre as 12 mortes de que é acusado, garante não ser realidade. "Eu sempre atirei para cima. Se alguém trombou na bala não é problema meu", ironiza. Um dos apelidos que recebia dos companheiros e também dos militares era 90. Uma alusão às duas pistolas .45 que sempre carregava na cintura, durante as ações. Outro apelido %u2014 que ele não gosta, aliás %u2014 era: "John Wayne da guerrilha". "Isso é folclore", rebate.

Distante da época elétrica, Wellington recita sua vida como se estivesse contando para si próprio, sobre quando vivia entre um aparelho e outro. Chegou a assaltar três bancos no mesmo dia, sendo um no Rio de Janeiro e outros dois em São Paulo. Em quase três horas de depoimento fumou 18 cigarros, bebeu mais de uma garrafa de café %u2014 sem açúcar %u2014 e fez longas pausas. "Existem as pessoas que passam pela história e as pessoas que fazem a história. Foi uma opção de vida fazer história", atesta, deixando o cigarro queimar até o filtro.

Teve um embate e eu estava presente. Dilma tinha a convicção dela, que era uma visão mais antimilitar. E nós tínhamos uma visão mais militar. Dilma acusou o Lamarca de não ter sustentação teórica. Houve tensão, as discussões foram sérias, mas nunca chegou às vias de fato.

Nenhum comentário:

Postar um comentário