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domingo, 13 de janeiro de 2013
Tendências/Debates: Pacientes: algozes ou vítimas?
FLÁVIO DINO
Em artigo neste espaço, o professor Miguel Srougi ("Médicos inaptos: algozes ou vítimas?", em 6/01), referindo-se aos novos médicos, qualificou-os como vítimas do que chamou de "uma sociedade complacente e governantes incompetentes".
Como pai de Marcelo, vítima, há um ano, de erro médico no maior hospital privado de Brasília, creio que a abordagem do articulista merece reparos, sob a ótica dos pacientes, que são as maiores vítimas desse sistema. É preciso falar também da responsabilidade profissional, que não se refere apenas aos médicos recém-formados, como parece sustentar o articulista.
Recentemente, uma criança deixou de ser operada e morreu no Rio de Janeiro porque um médico, com muitos anos de formado, simplesmente faltou ao plantão, sem deixar substituto, alegando não concordar com a escala. Tal conduta, que infelizmente não é rara, viola o Código Penal e o Código de Ética Médica.
Também se tornou frequente médicos multiplicando jornadas e vínculos de trabalho, muitas vezes por problemas remuneratórios --mas às vezes por pura ganância--, prejudicando e matando pacientes.
É impossível ter qualidade em serviços prestados com jornadas ininterruptas de 24 horas, especialmente de médicos que atuam em UTIs, cirurgias etc. Alguém aceitaria entrar em um avião comandado por piloto que estivesse trabalhando por 24 horas seguidas? Em outros países, já há regulação sobre a duração do trabalho nos hospitais. Aqui, equivocadamente, esse tema é tratado exclusivamente pela lógica do mercado, por omissão do Estado e das entidades médicas.
Jornadas abusivas decorrem de outro problema: a terceirização ilegal, praticada em hospitais dirigidos por profissionais formados há muitos anos. A súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho define que a prestação de serviços hospitalares deve ser feita por empregados. O trabalho precário lesa direitos dos profissionais e do erário e, mais grave, dos pacientes --vítimas de erros e crimes.
Nesse caso, os próprios médicos dirigentes dos hospitais são algozes de outros médicos e dos pacientes.
A débil fiscalização sobre os hospitais é burlada por maus médicos: em consulta ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) do Ministério da Saúde, verifiquei que constam profissionais que fazem, ou dizem fazer, jornadas de mais de cem horas semanais.
Como podemos ver com esses exemplos, que se multiplicam Brasil afora, a "sociedade complacente" inclui maus profissionais que reproduzem práticas desumanas e perversas, esperando que "governantes incompetentes" tudo resolvam.
Claro que há muito a mudar na gestão da saúde. Mas é preciso ter cuidado, pois não se pode chegar ao ponto de dizer que os pacientes são os culpados de serem vítimas de erros e crimes --como ouvi do representante da classe médica de Brasília em um seminário.
Precisamos de mais e melhores escolas de medicina no Brasil, que diminuam a carência de bons profissionais e formem seres humanos que enxerguem as dores dos outros como se fossem suas, que sofram com os sofrimentos dos seus pacientes e que gritem junto com eles por uma saúde decente. Sem corporativismos, com coragem e espirito cívico.
FLÁVIO DINO, 44, advogado, é presidente da Embratur, foi secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça e deputado federal
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