sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Mídia e incremento da violência

LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil professorlfg.com.br.
 
 
Um garoto de sete anos, vestido com uma camiseta do super-herói Batman, invadiu uma casa, juntamente com outros dois menores, e a saqueou na zona leste de São Paulo (Folha de S. Paulo de 17.01.13, p. C4). Será que esse menor teria sofrido influência das televisões? Muito provavelmente está inserido em uma família que pode estar passando por graves problemas de desestruturação. Mas, além da família, não seria também o caso de se investigar o quanto que as mídias, especialmente a televisão, estaria contribuindo para a má formação das crianças?

Se vivemos na era da comunicação e da informação (Manuel Castells), faz todo sentido perguntar se grande parte da programação da mídia, destacando-se a policial e a sanguinária, poderia (ou não) estar concorrendo para o incremento da violência. Quanto dessa (muitas vezes nefasta) programação interfere na formação da personalidade das crianças? A criança que vê (muita) violência na TV será um adulto violento?



Nos países mais avançados (ou seja: nos países em que “a besta humana já está se transformando num animal domesticado”, como dizia Nietzsche: A genealogia da moral, p. 46), tudo isso está sendo discutido diuturnamente: fala-se em “código deontológico”, respeito à ética, legislação dura, controle estatal etc. Nos países menos evoluídos e, em consequência, mais violentos e menos controlados (em que a “besta humana” ainda está longe de se ter transformado num “animal domesticado”), a polêmica raramente é posta em pauta, não tendo a população em geral muita consciência da problemática.

Para se saber se a programação violenta interfere ou não na personalidade das crianças vale a pena ver o livro “Handbook of Children and Media”, de Dorothy Singer e Jerome Singer (org.), que é uma extensa coletânea de artigos sobre a relação da Criança com as Mídias. Gilka Girardello (veja no google “mídia e criança”) sublinhou (em relação ao livro), dentre outros aspectos, os seguintes:

a) a relação das mídias com os medos, ansiedades e percepções de perigo das crianças, que é discutida por Joanne Cantor no capítulo 10. A autora conclui que de acordo com a somatória das pesquisas recentes, os conteúdos das mídias podem, sim, ter efeitos prejudiciais consideráveis sobre o bem-estar emocional das crianças. Ela lista as implicações disso para pais e educadores, e aponta a necessidade de medidas institucionais mais fortes para a proteção das crianças quanto aos efeitos adversos das mídias;

b) os efeitos da violência televisiva sobre a agressividade das crianças, que é o tema do capítulo 11, escrito por Brad Bushman e L. Rowell Huesmann. Para eles, a violência nas mídias não é a causa central da agressividade e da violência social, nem mesmo sua causa mais importante. Eles afirmam, porém, que “as evidências cumulativas de pesquisa revelam que a violência nas mídias é um dos fatores que contribui significativamente para a agressividade e a violência em nossa sociedade” (223-4).

No capítulo 12, Jo Groebel relata um estudo realizado pela UNESCO sobre a violência nas mídias de uma perspectiva transcultural, a partir de um questionário proposto a 5 mil crianças de 12 anos de idade, em 23 países.

O objetivo do estudo era identificar possíveis diferenças culturais, assim como a influência de diferentes experiências agressivas no ambiente real (guerra e criminalidade) e de diferentes ambientes midiáticos, sobre a relação entre as mídias e a violência.

Dentre as muitas e importantes conclusões deste estudo, que é um dos mais amplos e profundos sobre o tema, destacam-se as seguintes:

a) 91% das crianças da amostra tinham acesso a um aparelho de TV; a televisão é ainda a fonte de informação e entretenimento mais importante para as crianças do mundo, se desconsiderarmos a interação face-a-face;

b) as crianças do mundo passam em média 3 horas por dia diante da TV;

c) quando solicitadas a indicar o nome de um adulto exemplar, a maioria das crianças (26%) citaram heróis de filme de ação, seguidos por astros pop e músicos (18,5%). Cerca de 90% das crianças disseram acreditar em (um) deus;

d) o maior desejo de 40% das crianças era ter uma família (…) estável;

e) cerca de um terço das crianças entrevistadas viviam em contextos sociais problemáticos e com altos índices de agressividade. Cerca de 1/3 das crianças que viviam nesses ambientes disseram acreditar que a maioria das pessoas no mundo é má (em comparação com pouco mais de 1/5 das crianças das áreas menos violentas);

f) um efeito unidirecional entre as mídias e a violência “real” não pôde ser determinado a nível global, nem poderia ser testado empiricamente. Mas o estudo focalizou o papel das mídias “no complexo sistema da cultura e das experiências pessoais” (p. 265). As crianças das áreas mais violentas relataram uma maior semelhança entre sua realidade e o que veem na televisão;

g) um herói tipicamente transcultural é “O Exterminador”, vivido por Arnold Schwarzenegger: cerca de 88% das crianças do mundo – a julgar pela amostragem da pesquisa – o conhecem. Das crianças em contextos violentos, 51% gostariam de ser como ele; nos contextos menos violentos, apenas 37% das crianças gostariam de ser como ele.

Em suma, concluem os autores, “Combinada com a violência real que muitas crianças experimentam, existe uma alta probabilidade de que orientações agressivas e não pacifistas estejam sendo promovidas. Mas mesmo em contextos de baixa agressividade o conteúdo violento das mídias é apresentado em um contexto que o valoriza. Apesar de as crianças lidarem de formas diferentes com esse contexto em diferentes culturas, a presença transcultural do problema reflete o fato de que a agressão é interpretada como uma boa solução para os problemas em diversas situações.” (p. 267)

As programações violentas da mídia brasileira, incluindo-se a exploração dramatizadora dos seriados policiais, transmitem “orientações agressivas e não pacifistas”, ou seja, não pregam a cultura da não-violência, ao contrário, incrementam a cultura da violência. Se isso já é muito sério em países mais pacíficos (que adotam a cultura do “tabu do sangue”, como é o caso da Europa onde a taxa de homicídios é de 3 para cada 100 mil habitantes), é de se imaginar algum tipo de efeito negativo turbinado quando se trata de um país como o Brasil (27,3 mortes para 100 mil habitantes), que desde sua origem é extremamente violento – veja F. Weffort, Espada, cobiça e fé, que afirma:

“Herdeiros da última Idade Média, somos fruto de um dinamismo renascentista ibérico cuja peculiaridade foi a de se expressar na conquista do mundo mais do que nas obras de arte. Nos primeiros tempos deste novo mundo nascido da violência, da cobiça e da fé, o que mais surpreende é o quanto sua história ajuda a compreender os tempos atuais” (p. 11).

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