sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Fim da licença para matar?

Em 20 meses, mais de 800 pessoas foram assassinadas em supostos confrontos com policiais militares em São Paulo

Na saída da escola, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, os adolescentes Douglas Silva e Felipe Macedo Pontes, ambos de 17 anos, estavam em uma motocicleta quando foram parados por policiais militares. O que era para ser uma abordagem rotineira terminou no assassinato dos dois garotos. Mesmo sem reagir, conforme depoimento de testemunhas feito na Ouvidoria de Polícia, o caso foi registrado no Boletim de Ocorrência (B.O) como “resistência seguida de morte”.

Segundo consta nos laudos de exame de corpo de delito, a maioria dos tiros alvejaram os jovens pelas costas. Também não foram detectados resíduos de chumbo nas mãos dos adolescentes, de acordo com a perícia. Atualmente, o processo do caso passa por uma reconstituição, pois ele desapareceu no departamento investigativo.

Esse episódio, que ocorreu no dia 31 de novembro de 2011, compõe um dos 806 registrados como morte decorrente de supostos confrontos com policiais militares entre janeiro de 2011 e setembro de 2012 em São Paulo, segundo dados oficiais da Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP). A forte pressão popular frente ao alto número de homicídios fez com que a SSP determinasse no dia 8 de janeiro a substituição dos registros “auto de resistência” e “resistência seguida de morte” por “morte decorrente de intervenção policial” ou “lesão corporal decorrente de intervenção policial” nos boletins de ocorrência.

A recomendação partiu da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH-PR), após uma série de atos públicos realizados pelas organizações sociais que compõem o Comitê Contra o Genocídio da Juventude Negra e Periférica.

André Alcântara, advogado e coordenador do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) – que representa as famílias dos menores – acredita que a apuração poderia ter ocorrido à época, caso vigorasse essa resolução. Ele ressalta que quando se trata de uma ocorrência registrada como “resistência seguida morte”, o processo fica arquivado e as vítimas são responsabilizadas pelo crime.

“Então você possibilita que o processo se perca. Se esse caso fosse registrado como homicídio, ia para um júri, portanto, ficaria mais fácil de ter o julgamento. Mas na resistência seguida de morte, as vítimas ficam como os autores do crime”, explica Alcântara.

Investigação e legislação

Para Camila Nunes, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), a substituição dos termos “resistência seguida de morte” para “morte decorrente de intervenção policial” apenas altera o pressuposto do registro. “Mas o mais importante é a busca da investigação desses crimes e a responsabilização do caso comprovado. O policial tem que ser julgado assim como qualquer cidadão comum que comete homicídio”, esclarece.

A opinião de advogados ouvidos pelo Brasil de Fato vai ao encontro do que pensa a pesquisadora. Isso porque, de acordo com eles, o registro “morte sobre intervenção policial” não está previsto no Código Penal. Alegam ainda que qualquer pessoa que comete um homicídio, sendo ou não em legítima defesa, responde o artigo 121 (homicídio). Somente após o delegado verificar se o indivíduo agiu em legítima defesa, pela descrição da ocorrência que é feita na delegacia, é que ele poderá responder em liberdade.

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Polícia Militar não se manifestou sobre a substituição dos registros de ocorrência determinada pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo.

Descentralização

As ocorrências envolvendo a antiga “resistência” são investigadas pelo Departamento de Homicídios e Proteção a Pessoa (DHPP). Dando sequência às reformulações, o secretário da Segurança Pública, Fernando Grella, anunciou que vai reestruturar o órgão para melhorar os números de esclarecimentos de crimes contra a vida.

Atualmente, o Departamento possui cerca de 4 mil inquéritos esperando para serem esclarecidos. Grella disse ainda que algumas ocorrências serão transferidas para área territorial e outras mais complexas serão preservadas no DHPP.

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