Por
LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.
A prisão decretada por juiz nasceu junto com o capitalismo liberal, no século XVIII (veja Michel Foucault, Vigiar e Punir).
Os nobres e burgueses dominantes não iam para a cadeia, mesmo
praticando crimes graves. A prisão nasceu para recolher os dominados das
classes inferiorizadas, que dentro dela seriam disciplinados para o
trabalho assalariado. Corpos proletários dóceis (disciplina) e úteis
(economicamente): era o que se pretendia. Na década de 80 (século XX) a
finalidade de ressocialização foi definitivamente abandonada. Dos anos
90 para cá a prisão se transformou em mero campo de concentração e de
extermínio.
Por mais paradoxal que possa parecer,
quanto mais fracassa a prisão nas suas finalidades humanistas e
ressocializadoras, ou seja, quanto mais se converte em jaula onde se
recolhem animais pouco domesticados, mais prestígio ela ganha junto à
população, hoje afinada com a criminologia
populista-midiática-vingativa. A nova onda punitivista excessiva nasceu
no final dos anos 60, nos EUA, que triplicaram em 20 anos o número de
presidiários. A grade maioria dos países ocidentais (especialmente o
Brasil) entrou nessa onda do encarceramento massivo irracional.
Considerando-se apenas os países
democráticos (ou, ao menos, formalmente democráticos), o Brasil é o
campeão mundial na taxa de aumento do encarceramento irracional: 508%,
de 1990 a 2012. No primeiro ano do governo Lula (2003) aconteceu o maior
crescimento prisional anual da nossa história: 28,8% mais que em 2002.
Ou seja: 68.959 novos presos, de um ano para outro. Teria sido um tipo
de reação conservadora burguesa contra o governo Lula tido como
esquerdista? Não há informação científica sobre isso. O certo é que a
explosão carcerária não cessou.
O problema não é o encarceramento em si
(necessário, nos casos de crimes violentos), sim, o fato de ele, no
Brasil, ser irracional. Quantitativa e comparativamente (com os demais
países), desde 1990 prende-se muito no Brasil. O grave e desequilibrado é
que muitos dos que estão recolhidos não praticaram crimes violentos
(mais ou menos metade da população penitenciária). Isso constitui um
exagero, um abuso (ou mesmo uma tirania, porque toda pena que não é
necessária é tirânica, como já dizia Montesquieu, referendado por
Beccaria).
A cadeia, sobretudo em países com poucos
recursos para as áreas sociais, deveria ser reservada exclusivamente
para criminosos violentos, ou seja, os que oferecem concreto perigo para
a convivência em sociedade (afinal, cada preso custa mensalmente de R$
1300 a 1800 reais). Todos os demais criminosos deveriam ser punidos com
outros tipos de pena (penas alternativas). Carecemos aqui de uma
reengenharia social e penitenciária. No lugar da emoção e da paixão
(descritas por Durkheim) entraria a razão. Enquanto não dermos esse
salto de racionalidade, vamos continuar contando as cabeças decepadas.
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