quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Conselho sugere 'plano emergencial' no MA, mas evita pedir intervenção

Ministra dos Direitos Humanos disse que pedido cabe ao procurador-geral.
Órgão de direitos humanos elaborou declaração com dez providências.



O Conselho de Defesa de Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), que reúne órgãos do governo e diversas entidades de defesa dos direitos humanos, elaborou nesta quinta-feira (9) uma declaração com uma série de sugestões para pôr fim à violência no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, entre as quais um "plano emergencial" por parte do governo estadual (veja a íntegra ao final desta reportagem).

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Ministro e governadora discutem criseMP recomenda medidas urgentesO documento, no entanto, não sugere uma intervenção federal no estado, que pode ser solicitada pela Procuradoria-Geral da República e necessita de autorização do Supremo Tribunal Federal.

A declaração pública aprovada pelo conselho classifica os fatos ocorridos no interior do sistema prisional como "o mais alto grau de violações a direitos humanos no contexto carcerário brasileiro" e sugere dez providências.

Durante reunião do conselho, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, disse que a declaração não poderia recomendar uma intervenção federal no estado porque essa decisão cabe exclusivamente à Procuradoria-Geral da República.


É uma prerrogativa do procurador. Até porque ele integra esse conselho. Então não é adequado adiantarmos posições"Maria do Rosário,
ministra da Secretaria de Direitos Humanos"É importante que não tenhamos qualquer deliberação sobre tema relacionado exclusivamente à Procuradoria-Geral da República e que é uma prerrogativa do procurador. Até porque ele integra esse conselho. Então não é adequado adiantarmos posições ou indicar caminhos", disse Maria do Rosário.

Apesar de a declaração pública não ter formalizado a necessidade de intervenção federal, parte dos membros defendeu a medida.

Temos que ir para além da recomendação e da retórica dos Direitos Humanos. E temos que ir para a ação. Temos que pedir, intervir, e se for o caso até pedir ajuda externa"Everaldo Bezerra,
representante da OAB no ConselhoO conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Everaldo Bezerra, foi um dos que argumentou favoravelmente à intervenção.

"Este conselho não pode ficar calado. Ele está cumprindo seu papel, mas temos que ir para além da recomendação e da retórica dos Direitos Humanos. E temos que ir para a ação. Temos que pedir, intervir, e se for o caso até pedir ajuda externa", afirmou o conselheiro.

Além do representante da OAB, também defenderam a intervenção no sistema prisional o deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG) e o subprocurador-geral da República, Aurélio Virgílio Veiga Rios.

Durante a reunião, a procuradora Ivana Farina, do Conselho Nacional de Procuradores Gerais, disse que membros do Ministério Público no Maranhão defendem a intervenção.

"Aqueles procuradores da República que, diante do caos instalado no sistema penitenciário do Maranhão, representaram ao doutor Rodrigo Janot [procurador-geral da República] entendem que essa intervenção deve vir para a observância dos direitos da pessoa humana, o que não vem ocorrendo por diversas demonstrações que todo o Brasil assiste", afirmou ao final do encontro.

Depois, pelo Twitter, em diálogo com outros usuários, escreveu: "Espero que medidas efetivas venham, como o pedido de intervenção federal", escreveu, comentando as recomendações do conselho.

Recomendações
Além de pedir um plano emergencial ao governo do Maranhão, a conselho fez outras recomendações a órgãos diversos. O documento cobra a responsabilização dos mandantes e dos executores dos assassinatos de presos e da menina Ana Clara Santos, morta durante ataque a um ônibus.

O conselho pede ainda informações ao Ministério da Justiça sobre o cumprimento, no Maranhão, das metas do Plano Nacional de Política Penitenciária e cobra a realização de mutirão específico para definição jurídica dos presos provisórios a fim de fazer a separação dos detentos.

O documento também recomenda atenção especial aos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas e solicita a formação de um Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Os conselheiros manifestaram apoio ao trabalho das organizações de direitos humanos do estado e pediram reforço a iniciativas tomadas pelo CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público de inspeção in loco.

Houve ainda uma recomendação endereçada aos meios de comunicação para que “utilizem rigorosos padrões éticos na divulgação dos fatos” a fim de que não ocorra banalização da violência.

Em cada uma das oportunidades que houve violação grave aos direitos humanos, [o CNJ] fez recomendações que não foram cumpridas"Douglas de Melo Martins,
representante do CNJRecomendações não cumpridas
O juiz Douglas de Melo Martins, do Conselho Nacional de Justiça, disse que não se pode ter a "ilusão de que uma simples recomendação, sugestão, conversa, vai resolver o problema". Foi ele quem elaborou um relatório de inspeção nos presídios do Maranhão, o qual informa sobre a "precariedade do sistema prisional" e descreve brigas de facções criminosas e estupros de mulheres durante dias de visita.

Martins criticou o governo do Maranhão, o qual, segundo ele, não cumpriu recomendações que o CNJ tem feito desde 2008 sobre o sistema prisional do estado.

"Só o CNJ nos últimos quatro anos fez inspeções, relatórios e mutirões no estado do Maranhão e, em cada uma das oportunidades em que houve violação grave aos direitos humanos, fez recomendações que não foram cumpridas", afirmou o juiz.

O juiz, contudo, disse que não cabe ao CNJ se posicionar sobre eventual intervenção federal.

"Dizer que a única solução e o único caminho é não dar opção para quem tem o poder de definir a questão. A possibilidade do diálogo também é um caminho que pode e deve ser adotado, mas há o registro de que o CNJ tem tentado esse caminho desde 2008 e tivemos dificuldade nas oportunidades anteriores", afirmou.

Leia abaixo a íntegra da declaração do Conselho:

DECLARAÇÃO PÚBLICA nº 01/2014

Sobre a Violência no Complexo Penitenciário de Pedrinhas no Maranhão

Ao longo dos seus quase cinquenta anos de existência, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) acompanhou alguns dos mais graves episódios de violação de direitos humanos no contexto carcerário do país. Desde o período da ditadura militar, quando acolheu denúncias sobre a situação dos presídios de Minas Gerais, passando pelos massacres do Carandiru, Urso Branco e o colapso do sistema prisional do Espírito Santo no final da última década.

Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen/MJ) apontam que a população carcerária brasileira, estimada em 550 mil presos, quadriplicou ao longo de pouco mais de vinte anos. Nesse contexto, a superlotação e a violência constituem-se em práticas institucionalizadas.

Atualmente o Estado brasileiro responde ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos sobre a ocorrência de violações no âmbito de cinco unidades prisionais: Urso Branco, em Rondônia; Aníbal Bruno, em Pernambuco; Parque São Lucas, em São Paulo; Presídio Central de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul; e Complexo de Pedrinhas, no Maranhão.

A situação no Complexo de Pedrinhas, apesar de inserida em um contexto nacional de graves violações de direitos humanos no sistema prisional, é especialmente dramática em razão da sequência de homicídios, das denúncias de estupros cometidos contra familiares visitantes e da ausência de controle por parte das autoridades sobre o que ocorre dentro do Complexo.

O CDDPH considera que os fatos ocorridos no interior do sistema prisional do estado do Maranhão e os métodos de tortura e assassinato praticados no Complexo Penitenciário de Pedrinhas representam o mais alto grau de violações a direitos humanos no contexto carcerário brasileiro.


Considere-se que missões do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), realizadas em outubro e dezembro de 2013, respectivamente, foram secundadas de acontecimentos ainda mais graves, revelando que nenhuma ação efetiva foi tomada, apesar da decretação do estado de emergência no sistema prisional pelo governo estadual.

O CDDPH avalia que as referidas violações assumiram caráter sistemático, sendo necessário e urgente a tomada de providências para que a violência cesse no Complexo de Pedrinhas e não se alastre para as demais unidades do sistema prisional ou socioeducativo. Medidas também devem ser tomadas para que a população esteja preservada de qualquer ação criminosa.

Diante do exposto, este colegiado decide:

- Indicar a necessária apuração e responsabilização, nos termos da lei, dos mandantes e executores das ações criminosas que levaram à morte de internos do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, bem como da menina Ana Clara Santos.

- Solicitar ao estado do Maranhão a elaboração e apresentação de um plano emergencial com vistas à superação imediata das graves violações de direitos humanos dentro do complexo penitenciário, e enfrentamento à influência dos grupos criminosos que atuam contra a população em geral;

- Cobrar a responsabilização dos agentes do estado que eventualmente tenham participado de ações criminosas, bem como atos de improbidade administrativa;

- Solicitar ao Ministério da Justiça informações sobre o cumprimento das metas do Plano Nacional de Política Penitenciária no que diz respeito ao estado do Maranhão;

- Solicitar ao sistema de justiça um mutirão específico para definição jurídica da situação dos presos provisórios no sistema prisional do Maranhão e para a devida separação dos detentos;

- Recomendar uma especial atenção ao tratamento deferido aos adolescentes que cumprem medida no sistema socioeducativo do estado do Maranhão;

- Apoiar o trabalho das organizações de direitos humanos do Maranhão para acompanhamento da situação das vítimas e de medidas voltadas à não-repetição de graves violações aos direitos humanos;

- Recomendar aos meios de comunicação que utilizem rigorosos padrões éticos na divulgação dos fatos, em especial das imagens veiculadas nas diferentes plataformas, pautando sua atuação pela não-banalização da violência e proteção da imagem das vítimas;

- O CDDPH solicita agilização dos procedimentos para a formação do Comitê e do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, com a formação do seu corpo de peritos autônomos para fiscalização das unidades de privação de liberdade;

- Reforçar as iniciativas tomadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), considerando o diagnóstico produzido por esses órgãos sobre a situação in loco.

Diante do exposto, o CDDPH faz um chamamento à sociedade civil, a todos os poderes e às esferas de governo para a firme tomada de iniciativas em prol do enfrentamento às graves violações de direitos humanos no interior do sistema prisional brasileiro. E renova sua confiança no princípio constitucional da dignidade humana como a principal referência para a democracia no País.

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