sábado, 16 de novembro de 2013

Um novo aceno ao capitalismo


O Partido Comunista da China abre as portas de suas empresas ao setor privado. Saiba qual é o impacto na economia mundial e as oportunidades para o Brasil
Por Keila CÂNDIDO, Carolina OMS e Luís Artur NOGUEIRA




Na cultura chinesa, uma expressão popular diz que “os planos para o ano inteiro são feitos na primavera”. Isso significa que tudo deve ser planejado com bastante antecedência, logo no início do ano. Na semana passada, contrariando o ditado, 370 membros do Comitê Central do Partido Comunista, liderados pelo presidente Xi Jinping, se reuniram em pleno outono no Hemisfério Norte para discutir as reformas mais importantes do país, que serão postas em prática até 2020. As diretrizes definidas a portas fechadas ao longo de quatro dias vão nortear a mudança de rumo da segunda maior economia do mundo.



Novos tempos: o presidente Xi Jinping (ao centro) e líderes do Partido Comunista aprovam as reformas

De acordo com o comunicado emitido após a reunião, na terça-feira 12, o mercado vai “assumir um papel decisivo” na economia. “Todas as reformas estão na direção correta, mas é preciso saber qual é o tamanho disso”, diz o embaixador Sérgio Amaral, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), referindo-se à falta de detalhes sobre os planos. Com uma população de 1,3 bilhão de habitantes, 48% vivendo em áreas rurais, a China ainda apresenta enormes desigualdades de renda. A despeito da abertura da economia, acelerada a partir de 1993, quando o país de Mao Tsé Tung assumiu a condição de uma “economia socialista de mercado”, a participação do Estado continua grande e nem sempre é eficiente.

As 112 empresas controladas pelo governo central movimentam 43% do PIB. Daí porque os analistas consideram que o maior símbolo da modernização do sistema econômico chinês é a possibilidade de os investidores estrangeiros adquirirem até 15% de participação nas estatais. “A prioridade do governo é avançar na reforma das empresas públicas”, diz Durval de Noronha, sócio-fundador da Noronha Advogados, que mantém escritórios em Pequim, Xangai e Hong Kong. Noronha retornou ao Brasil na quarta-feira 13, após uma viagem de três semanas à China, onde acompanhou de perto a reação da população à reunião do Partido Comunista.

“Lá as pessoas levam a sério as diretrizes do governo.” No mercado financeiro, ainda há muita desconfiança diante da falta de clareza das medidas. No entanto, o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, minimiza eventuais incertezas que um governo centralizador e autoritário possa gerar. “A fome dos investidores é maior do que a desconfiança no governo chinês”, afirma Gonçalves. Em tempos de vacas gordas, com dólares sobrando no mundo, uma ação mais forte da China nesse jogo não assusta o Brasil. Mas quando o Banco Central americano enxugar a liquidez, o quadro mudará.


Futuro promissor: o ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli (à esq.) e o embaixador Sérgio Amaral
veem com otimismo as mudanças na China

“Daí teremos de competir com os chineses pelo capital estrangeiro”, diz Luis Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais (Sobeet). A fórmula mágica da economia chinesa rendeu um espetáculo de crescimento nas últimas duas décadas. O modelo era baseado principalmente no investimento em infraestrutura, com a construção de malhas ferroviárias, prédios públicos e rodovias. Ainda que não houvesse demanda para esses serviços, a máquina de obras nunca parava. Além disso, os produtos chineses a preços reduzidos eram exportados para o mundo inteiro e se tornavam uma grande fonte de recursos para o país.

“A China só era competitiva com câmbio desvalorizado, juro baixo e salários reduzidos”, diz Michael Pettis, professor da Universidade de Pequim. “Mas, agora, essas três variáveis estão se invertendo e suas exportações de manufaturados vão cair nos próximos cinco anos.” A expansão chinesa, segundo ele, chegou ao limite, o que obrigou o governo a repensar o modelo. A ordem é alimentar a economia pelo consumo interno. “A China vem caminhando de forma progressiva e sustentável para dar um papel mais relevante ao mercado doméstico”, afirma Luis Antônio Paulino, professor da Unesp e diretor do Instituto Confúcio.

Outro ponto importante e delicado é a reforma do hukou, a política de migração do campo para a cidade, que vai deslocar nos próximos anos cerca de 300 milhões de habitantes para os centros urbanos. Tal transformação deve impulsionar os gastos das famílias nas grandes metrópoles. O plano de estímulo ao consumo, no entanto, gera dúvidas quanto à sua implementação, pois a população chinesa está entre as que mais guardam dinheiro, com uma taxa de poupança de 40% do PIB. Isso ocorre porque o governo, apesar de ser socialista, não oferece um sistema previdenciário nem serviço de saúde gratuito e universal, como no Brasil, o que força as famílias a fazerem seu pé-de-meia de olho nas necessidades do futuro. Nesse contexto, estimular o consumo não será uma tarefa simples.




“Uma coisa é aprovar um programa e outra é conseguir implementá-lo”, diz Clodoaldo Hugueney, ex-embaixador do Brasil em Pequim e diretor do Centro de Investigação Laboratório do Século XXI da Faap, em São Paulo. Sem as gigantescas obras estatais e uma redução no volume de crédito subsidiado, há dúvidas sobre o ritmo de crescimento econômico daqui para a frente. O economista Pettis acredita que será inevitável reduzir o atual de patamar de 7% para algo entre 3% e 4% nos próximos anos, o que pode interferir negativamente no desempenho da economia mundial. “Acredito que em cincos anos os preços do minério de ferro cairão até 50%”, diz o professor da Universidade de Pequim. O Partido Comunista também sinalizou uma alteração no direito à propriedade no campo, que atualmente é estatal.

“É preciso que os agricultores participem de forma mais igualitária e desfrutem da modernização”, diz o comunicado oficial. Para o economista Gonçalves, do Banco Fator, os camponeses terão uma tendência a vender suas terras e migrar para as cidades. “Isso pode gerar uma concentração da propriedade de terra nas mãos de grandes grupos, com ganhos de produtividade na agricultura”, diz Gonçalves. Está prevista ainda uma reforma fiscal na China, que terá uma carga tributária de 23% do PIB, metade da brasileira. “Creio que haverá um ligeiro aumento no imposto de valor agregado”, diz o advogado Noronha. No âmbito administrativo, as prioridades são o combate à corrupção e uma maior eficiência do poder público.

OPORTUNIDADES As transformações econômicas na China, com foco no consumo interno, podem representar bons negócios para o Brasil, que exportou US$ 41,2 bilhões em 2012, com uma pauta notadamente formada por commodities agrícolas e minerais. De olho nesse enorme potencial, uma comitiva de ministros e empresários, liderada pelo vice-presidente da República, Michel Temer, esteve na China na semana retrasada. A principal conquista ao longo de seis dias de encontros foi obtida pelo agronegócio, com a abertura do mercado chinês para o milho brasileiro.


De olho na muralha: o vice-presidente do Brasil, Michel Temer, lidera comitiva
de políticos e empresários na China

Sem barreiras fitossanitárias, os produtores brasileiros estimam que as exportações do grão poderão chegar a dez milhões de toneladas por safra, o que daria um impulso de US$ 2 bilhões à balança comercial. “É uma enorme oportunidade para os produtores de milho”, afirma o ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli, que preside a Associação Brasileira do setor (Abramilho). “Vamos exportar direto para eles, sem escala em Hong Kong.” A missão brasileira não conseguiu, no entanto, acabar com o embargo à carne brasileira. Os chineses relutam em negociar por causa de um episódio isolado da doença da “vaca louca” no Paraná, em 2012.

O secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), Ricardo Schaefer, no entanto, se mostra otimista com a vinda de uma nova missão chinesa aos frigoríficos brasileiros. Uma fonte próxima às negociações, que prefere não ser identificada, revelou que os chineses querem a comercialização direta de bens primários, tirando da jogada as empresas de comércio de commodities, conhecidas como traders, o que reduziria seus custos. Presente às tratativas, o diretor do Departamento de Negociações Sanitárias e Fitossanitárias do Ministério da Agricultura, Lino Colsera, lamenta a “resistência” dos chineses na questão das aves e dos suínos.

“Eles visitaram estabelecimentos no Brasil, pediram informações adicionais, que já foram enviadas, mas até agora não concluíram a habilitação”, diz Colsera. Na prática, a China tem usado barreiras sanitárias para dificultar a entrada de produtos com maior valor agregado. Evitando importar o frango brasileiro, mas fazendo acordos para importar o milho, os chineses engordam suas próprias galinhas e seus frangos e produzem os itens mais caros em seu país. A indústria de transformação brasileira também vive a expectativa de furar o bloqueio a produtos industrializados. Nesse ponto, o governo da presidenta Dilma Rousseff “botou o dedo na ferida”, nas palavras do secretário-executivo do Mdic.

“Nós falamos ‘olha, está muito bom o nosso nível de comércio, mas nós queremos exportar mais manufaturados’”, diz Schaefer. Como resposta, os chineses disseram que os produtos industrializados brasileiros “são muito bem-vindos”. O professor Pettis concorda: “O rebalanceamento chinês trará oportunidades para as manufaturas brasileiras e mexicanas.” Em recente artigo publicado no Valor Econômico, o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci resumiu bem a troca de papéis. “O Brasil precisa ser mais China – priorizar investimentos – e a China ser mais Brasil – fomentar o consumo interno”, escreveu Palocci. São os novos tempos a partir do aceno da segunda maior economia do mundo ao capitalismo.



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