quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Em condições precárias, presídios do país têm déficit de 237,6 mil vagas


Considerada a pior do Brasil, prisão do RS tem 40 presos em cela para oito.
Mutirão do CNJ vasculha processos nos estados para desafogar o sistema.




As péssimas condições enfrentadas pelos detentos do Presídio Central de Porto Alegre levaram oito entidades do Fórum da Questão Penitenciária do Rio Grande do Sul a fazer uma denúncia a Organização dos Estados Americanos (OEA). Segundo as entidades, houve violação dos direitos humanos no presídio, considerado o pior do país desde 2008, após uma CPI no Congresso Nacional sobre o sistema penitenciário. O presídio tem 2.069 vagas, mesma capacidade de quando foi construído, em 1959, mas abriga pelo menos 4,3 mil detentos. Em uma cela projetada para oito pessoas há aproximadamente 40 presos.

Com uma câmera sempre em punho, o juiz da vara de Execuções Criminais de Porto Alegre Sidnei Brzuska registra a rotina do Central. Em um ambulatório, ele encontrou um homem que já não tinha forças para falar. Preso por roubar um par de chinelos e condenado a seis anos de prisão, Arinton da Silva contraiu tuberculose e teve um pulmão extraído. Sem acompanhamento médico ou condições mínimas de higiene, a cicatriz da cirurgia infeccionou. Depois que o juiz divulgou as imagens, Arinton ganhou um indulto humanitário e foi para um abrigo, onde cumpre o restante da pena. “A estrutura do Central está muito deteriorada do ponto de vista sanitário. Todas as celas têm infiltração. Isso não tem conserto, porque é uma estrutura muito ultrapassada”, destaca Brzuska.

A administração do Presídio Central é de responsabilidade da Brigada Militar. Cada metro quadrado das celas é disputado, mas o controle do espaço não é do estado. “No momento em que o sujeito adentrou a galeria, as regras são ditadas por quem controla internamente aquela galeria, ou seja, aquele grupo criminoso que comanda aquela galeria é, em última instância, o responsável por assegurar a integridade física das pessoas que estão ali dentro”, aponta o juiz.

O Presídio Central não garanteas condições mínimas de saúde que a Vigilância Sanitáriadeveria assegurar"Maria do RosárioApesar de haver exemplos positivos, como as oficinas oferecidas aos usuários de droga em recuperação e com bom comportamento, a maior parte dos detentos vive uma dura realidade. “O Presídio Central não tem habitabilidade na maior parte do seu espaço físico e não garante as condições mínimas de saúde que a Vigilância Sanitária deveria assegurar em termos de qualquer instituição”, afirma a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário.

Responsável pelo presídio, o governo do estado promete construir novas unidades para aumentar a capacidade da instituição. “Vamos gerar vagas. Estamos com alguns empreendimentos já contratados. Temos várias obras para desafogar essa superlotação do Presídio Central”, diz o secretário de Segurança do Rio Grande do Sul, Airton Michels.

O Brasil encarcera muito e mal. Temos muita gente presa que poderia estar solta e, lamentavelmente, muita gente que deveria estar presa e não está"Augusto Rossini, diretor geral do DepenOs presídios funcionam mais como escolas de aperfeiçoamento de práticas criminosas do que local de ressocialização de presos"Mário Bonsaglia, procurador regional de SPA superlotação é uma constante no sistema prisional do Brasil. O país tem 549.735 presos para 312.083 vagas. Entre 2011 e 2012, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) abriu 7,2 mil vagas em todo o país, mas o número teria que ser multiplicado por 33 para zerar o déficit, que é de 237.652 vagas. “O Brasil encarcera muito e encarcera mal. Temos muita gente presa que poderia estar solta e, lamentavelmente, muita gente que deveria estar presa e não está”, avalia o diretor geral do Depen, Augusto Rossini.

O déficit de vagas nas prisões foi constatado pelo Ministério Público. Em março deste ano, procuradores percorreram 1,6 mil estabelecimentos, entre presídios, penitenciárias, hospitais de custódia, albergues e colônias agrícolas. Os presos não são separados por idade, regime, crime e sequer os primários dos reincidentes. Mesmo sob a custódia do estado, o Ministério Público encontrou a presença ativa de grupos ou facções criminosas em 18% dos estabelecimentos. “Os presídios funcionam mais como escolas de aperfeiçoamento de práticas criminosas do que local de ressocialização de presos. Com isso, aumenta-se a reincidência e chegamos ao ponto de ter estabelecimentos prisionais sob forte influência de organizações criminosas”, critica Mário Bonsaglia, procurador regional de São Paulo e membro do Conselho Nacional do MP.

O levantamento também revela um alto número de rebeliões. De fevereiro de 2012 a março deste ano, ocorreram pelo menos 121 motins, sendo 23 deles com reféns. No mesmo período, houve 20,3 mil fugas e 769 pessoas foram assassinadas dentro dos presídios.

O que piora a situação é a lentidão da justiça. Os presos provisórios, aqueles que ainda não têm condenação, são grande parte da população carcerária. Muitos dos que estão nas cadeias ainda não foram ouvidos por juízes, não passaram por julgamento ou sequer se defenderam. São quase 230 mil presos provisórios no país, o que representa quase o que falta de vagas. Os defensores públicos, que deveriam ouvir os acusados no momento da prisão, também estão em falta. Segundo a Defensoria Pública, existem 5.054 defensores públicos estaduais. Das 2,7 mil comarcas brasileiras, apenas 30% contam com pelo menos um defensor.

Mutirão Carcerário

Há cinco anos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) encontrou um caminho para acelerar o trabalho e criou o projeto Mutirão Carcerário. São feitas visitas às unidades prisionais para saber as condições dos detentos e, paralelamente, todos os processos dos condenados são analisados por um grupo de juízes, promotores e advogados. “Por vezes, chegamos a estados em que o poder judiciário e o poder executivo estadual não trocam informações sobre o sistema. O mutirão também chega com esse objetivo”, aponta Luciano André Losekann, coordenador do projeto.

Desde 2008, juízes fazem uma imersão em cada estado e no Distrito Federal e ficam entre 30 e 60 dias vasculhando os amontoados de processos. Entre 2010 e 2011, eles analisaram 310 mil processos. No mesmo período, quase 50 mil benefícios foram concedidos e 25 mil presos que tinham direito à liberdade foram soltos.

Há dois anos, o governo federal criou o Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, com previsão de investir R$ 1,1 bilhão até o fim deste ano. Já foram assinados contratos com 23 estados para a geração de 42,5 mil vagas. No entanto, só liberar recursos não basta. No ano passado, R$ 110 milhões foram devolvidos à União porque os estados nem sequer deram início às licitações para a construção de presídios ou ampliação de vagas em instituições já existentes. O estado que mais devolveu dinheiro foi o Rio de Janeiro, com cerca de R$ 27 milhões. O Rio Grande do Sul devolveu, entre 2006 e 2009, quase R$ 19 milhões.

Enquanto o dinheiro pula de cofre em cofre público, os presídios transbordam. “O preso fica provisoriamente. Não temos pena de morte ou prisão perpétua. Hoje, eles estão contidos. Amanhã, estarão contigo. Temos que pensar como essas pessoas vão voltar para a sociedade. Eles têm que voltar melhores do que entraram”, afirma o diretor geral do Depen

http://g1.globo.com/globo-news/noticia/2013/11/em-condicoes-precarias-presidios-do-pais-tem-deficit-de-2376-mil-vagas.html

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