terça-feira, 29 de novembro de 2011

INCONSTITUCIONALIDADE À VISTA

http://claudiopavao.blogspot.com/2011/11/inconstitucionalidade-vista.

Ao nascer o Estado de Direito sua concepção teve como fundamento a necessidade de que os homens fossem vinculados social, política e juridicamente por um elemento cujo fundamento substituísse o sobrenatural. É disso que falam, a rigor, as teorias contratualistas, cuja essência é defender que o homem tem a capacidade de instituir um vínculo (que tem no contrato a alegoria) capaz de ser apreendido, compreendido e, finalmente, obedecido, em nome da própria sobrevivência.
A lei, como instrumento de normatização das condutas diante de uma sociedade política organizada conduziu a história à fundação do Estado de Direito. Só mais tarde é que se veio compreender que o Estado de Direito necessita de mais um ingrediente para ser concebido como tal: a legitimidade. Sim, porque não basta que o Estado seja organizado formalmente, senão que possua nessa composição a áurea de legitimidade para que se alcance sua dimensão substancial. Historicamente isto se deu com o Estado Constitucional que, no caso da República Federativa do Brasil mereceu a denominação de Estado Democrático de Direito, consoante o artigo 1º da Constituição da República, denominação por nós preferida, por razões doutrinárias que já defendemos. Fala-se em Constituição da República, a despeito da contumaz utilização de Constituição Federal.
Com a consciência de que República encerra a ideia de eletividade dos cargos, temporariedade dos mandatos, responsabilização dos agentes público (em sentido amplo) e alternância do poder, ponho-me, neste breve pronunciamento, a manifestar-me sobre mais uma das repletas iniciativas do Poder Executivo do Estado do Maranhão, eivadas de inconstitucionalidades.
Anuncia o Jornal Pequeno na edição “on line” de hoje, dia 29 de novembro de 2011, que o Governo do Estado do Maranhão (leia-se Poder Executivo) estaria propenso a encaminhar à Assembleia Legislativa o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) em que é reconhecida a natureza de Carreira Jurídica aos Delegados de Polícia, da Polícia Civil do Estado do Maranhão.
Antes que se pretenda politizar a questão, pois nesta terra o maniqueísmo é uma característica assente, é fundamental delimitar o assunto. A perspectiva aqui é exclusivamente jurídica. Não falo sob o angulo político pois sob este o tempo me impôs perceber que aqui (dessa perspectiva) tudo é possível.
Pois bem. Tenho a informação verbal de que a Procuradoria Geral do Estado, por parecer escrito, teria demonstrado ser inconstitucional o projeto. Infelizmente não possuo as razões, mas bem imagino o que o bom senso e a lucidez são capazes de produzir.
A Constituição da República é o repositório do tema em discussão. Relaciona de forma expressa e clara que são Carreiras Jurídicas:
“Capítulo IV – Das Funções Essenciais à Justiça.
Seção I – Do Ministério Público.
Seção II – Da Advocacia Pública.
Seção III – Da Advocacia e da Defensoria Pública”.
Esta relação exaustiva das Funções Essenciais à Justiça, sobre a qual a jurisprudência e a doutrina formaram a denominação de “carreiras jurídicas”. Mas o que seriam carreiras jurídicas consideradas propriamente?
Bom, careiras jurídicas seriam todas aquelas que exigem formação acadêmica jurídica, como é claro concluir. Contudo, a conclusão não deve conduzir ao entendimento pretendido pela perspectiva política de tornar iguais ou semelhantes quem a Constituição da República tornou diferentes. O Título IV fala em Delgados de Polícia? Claro que não. E a própria Constituição da República, ao falar em retribuição financeira, exige para a fixação de vencimento vários elementos formais, dentre os quais estão “a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira; os requisitos para investidura; as peculiaridades dos cargos”, como assentados nos incisos I, II e III, do § 1º, do artigo 39.
E o Supremo Tribunal Federal está repleto de decisões (cuja brevidade desta manifestação sugere não reproduzir) quando enfrentou as tentativas de isonomia entre a carreira de Delegado e as carreiras jurídicas constitucionalmente previstas de forma taxativa. Normalmente os julgados da Excelsa Corte declaram que a “Constituição Federal não concedeu isonomia direta às carreiras jurídicas”.
Consigno, mais uma vez, e para o leitor desapaixonado, que o exame da matéria é jurídica, a despeito do maniqueísmo que mencionei.
Não se está a afirmar que não haja importância ao Delegado de Polícia, profissional essencial para a organização e pacificação da sociedade, tanto que, sob a ameaça de greve, conseguem que o Estado do Maranhão, sob os auspícios de circunstâncias adversas, se renda a ter iniciativas como a que ora é mote deste escrito, inobstante o alerta preventivo (há um senão de redundância) de sua Procuradoria Geral acerca da inconstitucionalidade.
É claro que proposições como esta de esmerada inconstitucionalidade já mereceram o beneplácito do Tribunal de Justiça do Maranhão envolvendo os próprios Delegados de Polícia, assunto cuja discussão continua no Supremo Tribunal Federal, com a suspensão da liminar concedida. Espera-se, contudo, que nesta oportunidade, haja o bom senso de homenagear a Constituição da República.
Depois disso, é imperioso registrar, há em curso proposta de Emenda à Constituição da República com o objetivo ora acalentado pelos Delegados de Polícia e ora chancelados pelo Poder Executivo do Estado do Maranhão, a se confirmar a remessa à Assembleia Legislativa do Estado, sodalício onde será aprovado sem dúvidas, como sempre acontece. Então, clara é a contradição. Por que uma Emenda à Constituição do Estado do Maranhão se a matéria é objeto de proposta à Constituição da República? O que a Constituição do Maranhão possui a mais do que as Constituições das Unidades da Federação que lhe possa garantir instituir (e não reproduzir) o que o texto constitucional republicano possui?
Ora, é claro, para quem quiser ver, que a Constituição dos Estados estão adstritas aos limites constitucionais previstos como competência da União, pelo poder constituinte derivado.
É o que impõe o artigo 21 da Constituição da República ao estabelecer o poder de auto-organização dos Estados. É o que se ajusta ao chamado princípio da simetria constitucional. É o limite da autonomia das unidades da federação, como, à saciedade, se encontra em julgados e na mais sólida doutrina.
Pois bem. Pode o Estado do Maranhão incluir entre Carreiras Essenciais à Justiça uma que não esteja prevista na Constituição da República? Claro que não, pois aí está evidente o limite legislativo. Ultrapassado, inconstitucional se configura!
Sendo assim, não deve o Poder Executivo do Estado do Maranhão, ao menos se atento aos limites a que se vincula no sistema republicano de governo e federativo de estado, levar adiante uma empreitada que testilha com o compromisso constitucional de Cumprir a Constituição da República, do Estado do Maranhão e as leis.
No Estado de Direito, sobretudo no republicano, a abstração da lei não pode ser substituída pelo juízo primário de que crises podem ser resolvidas com dádivas, pois só dádiva pode sustentar uma iniciativa legislativa cuja essência é violar expressa disposição da Constituição da República.
Não é possível que a Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público e a Defensoria Pública a tudo assistam e se abstenham de agir como atentos guardiões da Constituição da República. Ainda acredito nessas instituições.
Espera-se cautela e bom senso. Só assim será homenageada a Constituição da República. Só assim se confirma a ideia de construir uma sociedade forjada nas bases constitucionais democráticas. Caso contrário, o Maranhão terá dado mais um passo atrás.

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