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domingo, 5 de fevereiro de 2012
Reflexos e consequências no confronto STF e CNJ
O STF decidiu, nesta semana, que a Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ tem poderes para investigar magistrados, independentemente de idênticas prerrogativas das Corregedorias locais. A conclusão veio em meio a um confronto entre duas posições antagônicas: a) o poder da Corregedoria Nacional é concorrente ao das Corregedorias locais; b) o poder da Corregedoria Nacional é subsidiário ao das Corregedorias locais. Na primeira hipótese, vencedora por 6 votos a 5, a Corregedoria Nacional pode agir de ofício; na segunda, ela teria que esperar que a local se omitisse ou apenas simulasse uma investigação.
O processo que levou à decisão do STF foi lento, sofrido, expondo fatos graves e levando as pessoas a um estado de perplexidade e desapontamento com o Poder Judiciário, aquele que historicamente sempre foi o mais respeitado. As peculiaridades do embate, com publicações diárias na imprensa, sites da internet, manifestações de instituições públicas (v.g., OAB) e de cidadãos através de mensagens, foram intensas e inéditas. Fatos graves surgiram no noticiário, junto com outros de pequena relevância, criando para o Judiciário a pior imagem de toda a sua história.
Por exemplo, é grave, sem dúvida, o fato de que o TJ-SP pagou a desembargadores vindos da classe dos advogados, indenização, porque não gozaram licença prêmio quando estavam no exercício da advocacia (Folha SP, 29.11.2011, A4). Ora, não há exercício de hermenêutica que convença que alguém, na atividade privada (advocacia), deva ter direito a licença prêmio, recebendo em dinheiro os meses não gozados. No lado oposto, não se vê gravidade na discussão sobre o critério de promoções de desembargadores no TJ-MG (Folha SP 10.11.2012, 4A), já que a fixação do merecimento é sempre algo subjetivo e que gera polêmica.
Mas, de uma ou de outra forma, o histórico julgamento do STF deu nova feição ao Poder Judiciário. A começar pela conclusão de que findou o tempo em que o Poder Judiciário era imune a qualquer controle da sociedade, podendo agir como entendesse, sem dar satisfações a ninguém. Isto acabou. Neste episódio não só a mídia e instituições se posicionaram abertamente a favor dos poderes de investigação do CNJ, mas também os cidadãos. Conclusão: doravante, a atuação do Poder Judiciário será cada vez mais acompanhada e discutida.
Na imensa quantidade de ataques e defesas, algo passou em branco. Todos os Tribunais de Justiças submetem seus atos administrativos, suas despesas, suas aposentadorias, aos Tribunais de Contas dos Estados. Além disto, junto a cada TJ atua o Ministério Público Estadual. Então, qual o papel exercido por essas instituições diante das irregularidades? Foram omissas? Em caso positivo, por qual motivo? O sistema não funciona bem? Conclusão: é preciso que seja analisada está atuação e, quiçá, estudadas medidas como a criação de um Conselho Nacional de Tribunais de Contas.
Os Corregedores dos Tribunais, que apuram faltas disciplinares dos juízes de primeira instância, serão, certamente, mais rigorosos (e muitos já o são), sob pena de serem responsabilizados em caso de omissão. Mas não basta que sejam rigorosos, é preciso que se lhes dê apoio e estrutura para promover investigações. Os presidentes de Tribunais, que apuram faltas de ministros dos Tribunais Superiores ou de desembargadores nos Tribunais de segunda instância, da mesma forma atuarão com maior severidade, receosos de se verem acusados de omissos perante o CNJ. Aqui a mudança de cultura é mais grave, pois há Regimentos Internos que nem sequer preveem como devam agir.
Os órgãos de apoio às investigações serão fortalecidos. O Coaf, a Controladoria Geral da União (CGU), Receita Federal, Banco Central do Brasil, serão parceiros cada vez mais próximos das Corregedorias. E não há outra forma. Ou será que alguém imagina que graves acusações de corrupção se provam por testemunhas? É preciso organizar o Estado. Recomenda-se, a propósito, o filme “J. Edgar”, diretor Clint Eastwood, 2011, que mostra a transição dos Estados Unidos, de um Estado submisso ao crime organizado para um país rico, que consegue, graças a uma Polícia Técnica muito bem estruturada (FBI), levar criminosos mais sofisticados à prisão.
O resultado da votação (6 a 5) revela divergência profunda na conclusão dos 11 ministros do STF. Dos vencidos, espera-se a humildade que caracteriza os grandes homens, para o fim de adaptarem-se ao entendimento majoritário. Isto não é comum no Poder Judiciário. Incidente de uniformização de jurisprudência só existe no CPC, artigos 476 e 477, e não em precedentes jurisprudenciais. É dizer, nenhum Tribunal uniformiza porque ninguém quer aderir a uma opinião que não é a sua. Este individualismo é medíocre, porque não vê a distribuição de Justiça como matéria de interesse público, mas sim como seu, particular. O STF daria um grande exemplo de grandeza se os ministros que votaram vencidos aderissem à posição vencedora, mesmo ressalvando seu ponto de vista pessoal.
Do ponto de vista psicológico daqueles que se acham envolvidos com a Justiça, é difícil apontar as consequências do verdadeiro maremoto que atingiu o Poder Judiciário. Os acadêmicos de Direito, certamente atônitos, poderão extrair disto um desânimo para enfrentar a vida adulta. Mas, por outro lado, poderão ver também que as coisas estão mudando de forma positiva. Os candidatos aos concursos de ingresso, em hipótese alguma deverão desistir de seus sonhos. A função de julgar é sublime e dá todas as condições de plena realização pessoal. Os bons são em número muito superior aos maus e estes serão, agora, mais facilmente identificados. Os juízes de primeiro grau, aqueles que atuam junto ao povo e sentem de perto suas necessidades, não deverão desanimar. Suas atribuições continuam sendo da máxima relevância. Muito podem fazer pela Justiça e pela sociedade, seja no exercício diário de suas funções, seja através de suas associações de classe.
Neste quadro complexo, não é de se esperar que o reconhecimento da competência concorrente do CNJ significa que, a partir de amanhã, magistrados infratores serão processados, afastados, e as Varas se tornarão ágeis e eficientes. Esta será uma outra parte da história, virá a seu tempo. O importante é que o grande passo foi dado com o reconhecimento do poder do Conselho investigar e processar os que se conduzem mal.
Finalmente, é preciso que se reconheça na ação da ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional, o mérito de ter apontado o problema. Em estilo próprio, com frases fortes e por vezes estranhas ao protocolo, o fato é que ela conseguiu o reconhecimento da independência do CNJ, valendo-se do apoio popular. Passa ela, assim, à história do Judiciário brasileiro.
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