domingo, 12 de fevereiro de 2012

Para combater crime, juíz é acusado de violar direitos


Excessivo e injustificável rigor, com resistência às teses e argumentos usados pelos acusados. Violação ao princípio da imparcialidade, com pré-julgamento do mérito em decisões dadas ainda na fase investigativa. Inconstitucionalidade das regras de prevenção. O rol de irregularidades é apontado pelo casal Gruenberg, preso na Operação Mãos Dadas, deflagrada pela Polícia Federal em 2008. Na última semana, os dois pediram a suspeição do juiz José Paulo Baltazar Junior, titular da 1ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre, que trata do caso.
O casal foi acusado pelo Ministério Público Federal da prática de cinco delitos: "prática de estelionato contra a União, para obter precatórios que lhes foram concedidos; como venderam as oito últimas parcelas de um precatório (que teria sido obtido ilegalmente) ao Banco Pactual, teriam cometido fraude contra um estabelecimento de crédito; para montar uma ação delituosa bem concatenada, contrataram advogados que articularam os injustos resultados que obtiveram, o que configura formação de quadrilha; o dinheiro ilícito foi enviado ao Uruguai, configurando evasão de divisas; e, como o dinheiro teria origem ilícita, estaria configurada também a lavagem de dinheiro; haveria também, para obter estes resultados, o crime de corrupção de funcionários públicos".
Está nas mãos de Baltazar Junior a única ação penal que sobrou sobre o caso: de denunciação caluniosa e de formação de quadrilha. Esta última é questionável, como afirma a defesa, uma vez que não há crime antecedente que a caracterize. Todas as demais acusações já caíram ou no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, como afirma o advogado Marcelo Itagiba, que defende o casal no âmbito cível.
De acordo com as suspeitas da Polícia Federal, Wolf Gruenberg e Betty Guendler fariam parte de uma quadrilha que já havia fraudado, até aquele ano, R$ 10 milhões da União, por meio de um esquema que envolvia empresas de fachada e o recebimento de verbas resultantes de ações trabalhistas fraudadas. A intenção, apontou o órgão na época, era desviar, até 2016, quase R$ 1 bilhão dos cofres públicos.
Na decisão em que rejeita a exceção de suspeição, desta quarta-feira (14/9), o juiz afirma que "as decisões proferidas no curso da investigação, ainda que defiram restritivas de direito dos investigados, não geram a suspeição do magistrado, uma vez que o convencimento manifestado é apenas provisório, produzido com base nos elementos de prova existentes até então, e com adequada fundamentação".
Com a recusa de sua própria suspeição, Baltazar Junior ordenou a remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, para que os seus integrantes a analisem.
De acordo com a defesa do casal, contrariando o Princípio da Iniciativa das Partes, segundo a qual a jurisdição somente poderá ser exercida caso seja provocada pela parte ou pelo interessado, o juiz determinou o desenrolar das investigações, mesmo depois de o Ministério Público ter pedido o arquivamento do inquérito policial. Para o parquet, não haveria interesse federal no caso. Ne procedat judex ex officio, manda o latim.
Na exceção de suspeição, a defesa comenta: “Ambos têm razão para crer que já estarão condenados, tendo em vista a condução notoriamente desfavorável que têm obtido, por parte do magistrado, durante todo o tramitar da ação, há mais de três anos.” O que leva os advogados a pensar desta forma? Um programa transmitido pela TV Justiça, no qual Baltazar Junior apresenta sua tese de doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Assista ao programa abaixo:
Como forma de justificar o que chama de “supressão episódica” do direito fundamental, a tese de Baltazar Junior sai do pressuposto de que o crime organizado é um perigo concreto para a segurança e o Estado tem o dever de agir tanto na repressão quanto na prevenção. “Há casos em que o Direito tem de agir, então é obrigado a agir para proteger o cidadão, em relação a alguns direitos fundamentais, como por exemplo, o direito fundamental à segurança”, argumenta no vídeo.
De acordo com a petição, os acusados foram “flagrantemente prejudicados em suas garantias fundamentais e direitos humanos durante o tempo em que permaneceram sob os auspícios do Estado por ordem do juiz”.
Invasão em Punta del Este
Tudo começou em 2007, quando a casa dos dois, em Punta del Este (Uruguai), como afirma a defesa, foi invadida por policiais brasileiros, sem ordem judicial nem do Brasil, nem do Estado estrangeiro. Na ocasião, bens foram apreendidos, documentos levados. Os policiais ameaçaram dar voz de prisão e negaram acesso ao advogado da família, o uruguaio Eduardo Vescovi.
Quando voltava para o Brasil, o casal, mais um filho, foi revistado no Aeroporto Internacional de Guarulhos, mediante autorização do juiz Baltazar Junior. Somente com um Mandado de Segurança, dado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Rio Grande do Sul), a família teve acesso aos autos da ação criminal que corria contra eles. No dia seguinte, os dois foram presos.
A defesa reclama do que chamou de uma ampla campanha feita pela imprensa, com o intuito de condenar Gruenberg e Betty antes na opinião pública e, depois, por consequência, no Judiciário. Uma série de ilegalidades ao longo do trâmite da ação levou os advogados do casal a apresentarem dois pedidos. Na última quinta-feira (8/9), eles entraram com pedido de suspeição de Baltazar Junior. E, na sexta (9/9), pediram o reconhecimento da incompetência do juízo da 1ª Vara Federal para cuidar do caso. As petições são assinadas pelos advogados Eduardo Augusto Pires, Paulo Henrique da Rocha Lins e Gustavo Rodrigues Nunes, além de Itagiba.
De acordo com o Itagiba, a princípio, o caso tramitou em duas varas federais criminais de Porto Alegre, a 1ª e a 3ª. Enquanto esra última remeteu o processo à Justiça Estadual, onde ele foi arquivado, a 1ª Vara Federal Criminal, sob a titularidade de Baltzar Junior, deu prosseguimento aos trâmites. "Em tese, o caso está arquivado", conta o advogado.
Estudo sobre a doutrinaPara fundamentar a exceção de suspeição contra o juiz, o casal pesquisou a trajetória acadêmica de Baltazar Júnior. É alemã a teoria do Direito Penal do Inimigo, segundo a qual existem grupos na sociedade que não podem se beneficiados pelos conceitos de pessoa. Da mesma forma, foi também na Alemanha que o juiz colheu experiências que mais tarde renderiam a tese O Controle das Organizações Criminosas Perante os Direitos Fundamentais dos Investigados e Acusados, para obtenção do título de doutor na UFRGS.
O material já virou livro, editado pela Livraria do Advogado, sob o título Crime organizado e proibição de insuficiência. Na avaliação da banca, a tese obteve nota máxima. Mas o sucesso do pensamento do juiz pode ser atestado nos três últimos anos de vida do casal Wolf Gruenberg e Betty Guendler, acusa a dupla. Ele, advogado, então com 60 anos quando sua casa no Uruguai foi invadida. Ela, fonoaudióloga.
O criminalista Luiz Flávio Gomes fala, em seu artigo Direito penal do Inimigo (ou inimigos do Direito Penal), sobre como devem ser tratados os inimigos, de acordo com o pai da teoria, o alemão Günter Jakobs: "O indivíduo que não admite ingressar no estado de cidadania não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa. O inimigo, por conseguinte, não é um sujeito processual, logo, não pode contar com direitos processuais, como por exemplo o de se comunicar com seu advogado constituído". Cabe ao Estado não reconhecer seus direitos, "ainda que de modo juridicamente ordenado". Como lembra o estudioso, com a aplicação da teoria, vão-se as garantias fundamentais e processuais.
"É preciso ler a obra"Em entrevista à Consultor Jurídico, o juiz limitou-se a dizer que não poderia comentar o caso concreto, em observância à Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Sobre a comparação da defesa entre sua tese de doutorado e o pensamento da Teoria do Direito Penal do Inimigo, ele disse que "fica difícil entender sua teoria por meio e trechos veiculados no vídeo". "Só quero dizer, com ela, que a é possível existir uma Justiça Penal efetiva com respeito aos direitos fundamentais", declarou.
É o artigo 254 do Código de Processo Civil que elenca as sete possibilidades de suspeição do juiz. O juiz se dá por impedido quando, por exemplo, é amigo íntimo ou inimigo de qualquer uma das partes ou quando for credor, devedor, tutor ou curador de alguma das partes, apenas para citar duas hipóteses. De acordo com Baltazar Junior, nenhuma das ocorrências pôde ser encontrada no caso do casal Gruenberg.
Correntes e infecção generalizada
Outro ponto alegado pelos advogados foi a ocorrência de tortura. O caso já está na ONG Justiça Global, ligada à Americas Watch. Enquanto a lei brasileira estipula a prisão provisória em 81 dias, conta a defesa, Gruenberg passou 150 dias atrás das grades. De acordo com o juiz, ele deveria ficar preso porque teria dupla cidadania, brasileira e alemã. Em liberdade, poderia se refugiar na Alemanha.
A defesa desmente a acusação, afirma que o acusado é brasileiro naturalizado. Nascido na Alemanha, não conseguiu a cidadania do país porque fazia parte da terceira geração. Lá, o que vigora é o jus sanguinis. Assim, filhos de pais poloneses refugiados na Alemanha não recebiam cidadania alemã.
Recém-operado, com pontes de safena, e com um câncer descoberto há pouco tempo, o acusado teve seu tratamento de saúde interrompido. O tratamento de Gruenberg estava atrasado quando, graças a uma liminar do ministro Celso de Mello, conseguiu retomá-lo. Àquela altura do campeonato, já havia sido despejado do Hospital Moinhos de Vento, por ordem do juiz Paulo Baltazar, contra a opinião dos médicos, e enviado para o Presídio Vila Nova.
Betty, por sua vez, acabara de ter as mamas operadas. Seu estado não impediu que, oito dias depois, fosse presa e levada para um presídio comum de Porto Alegre, o Madre Pelletier. Fonoaudióloga e com formação superior, não foi para cela especial, como determina a lei. O ambiente foi propício à infecção hospitalar. Ela só foi levada ao hospital quando se espalhou para o corpo. Ainda assim, na companhia de duas agentes penitenciárias. Sempre algemada, quando caminhava. E, na cama, ficava acorrentada.
O médico da mulher pediu autorização para que ela obtivesse outro tipo de tratamento. Todos os pedidos foram negados. E Betty, como o marido, foi despejada do hospital por ordem do juiz Paulo Baltazar. Ela foi enviada à carceragem da Polícia Federal, numa cela sem porta, contígua às celas masculinas. A higiene era feita à vista dos demais detentos.
“O que justificou que uma mulher recém-operada, sem qualquer antecedente ou indício de agressividade ou periculosidade, fisicamente debilitada, acometida de septicemia, ficasse por trinta e cinco dias algemada à cama do hospital?”, indaga sua defesa.
Ação Penal 2008.71.00.011760-5

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