Quero tomar emprestado de meu querido Fábio Tofic esse seu mote sobre o sistema prisional, levado a público, em edição de dois ou três sábados atrás sábado do jornal Estado de São Paulo. Creio ter permissão para fazê-lo.
Tenho sido crítico, e até um tanto polemista, sobre algumas questões. Não admito a sistemática manipulação do povo calcada no propositado desinteresse com a educação dos jovens, os discursos populistas de cunho judaico-cristão sobre criminalidade (que nos trouxeram até esse calamitoso momento!), nem o atual estado das coisas em nossas instituições públicas: cada vez mais buscando poder e vencimentos. Como já disse algumas vezes: país em que um acusador público ganha vinte vezes mais que um professor é um país que enfrenta seu passado (e, portanto, a sim mesmo) e não constrói seu amanhã.
O sistema penitenciário, muito bem analisado pelo articulista, é a grande unanimidade nacional (tirante uma ou outra atriz curvilínea). Não ousarei tecer comentário algum sobre seu passado — que o levou a ser o que é hoje — mas farei algumas considerações sobre o que podemos fazer como sociedade para o futuro das prisões, ou o que virá depois delas (LYRA).
Tratemos algumas verdades difundidas, como premissas:
1- Nosso sistema penitenciário tem gasto mensal estrondoso, que poderia ser direcionado para outras coisas.
2- Nosso sistema penitenciário não tem nenhuma utilidade para o futuro, pois somente retribui fato passado (o crime julgado) e como não está apto a ressocializar nem a incutir medo nos criminosos, não é útil ao amanhã.
3- As penas não são cumpridas em sua integralidade, em razão da progressão de regime, o que as fazem brandas; sem falar nos indultos e benefícios outros que atenuam o que deveria ser sofrido (?).
4- Quem furta é absurdamente colocado junto com traficantes de alta periculosidade, o que faz das penitenciárias escolas do crime.
Há cerca de dois meses, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e o Instituto Paulo Freire (IPF), em comunhão com a Secretaria de Administração Penitenciária e o Juízo das Execuções Criminais de Guarulhos bancaram projeto inovador e muito interessante: educar os presos.
Matéria: cidadania
Fui um dos voluntários, dentre tantos jovens criminalistas (Marina Dias, Augusto de Arruda Botelho, Isadora Fingermann, André Kehdi, Hugo Leonardo, Carlos Chammas Filho, Marcelo Feller e muito outros, não menos importantes) a ministrar essas aulas. Todos sócios ou associados de importantes escritórios de advocacia criminal deixamos nossas bancas para, ao invés de criticarmos com as nádegas na cadeira, tentarmos algo, senão importante, iniciante para a retomada de processo interrompido décadas atrás com o esquecimento sistemático das lições positivistas — e em nosso país de seu maior representante, Roberto Lyra. Dizia o mestre: para se pensar o problema penitenciário é preciso ouvir quem mais entende sobre ele — os presos.
Fui um dos voluntários, dentre tantos jovens criminalistas (Marina Dias, Augusto de Arruda Botelho, Isadora Fingermann, André Kehdi, Hugo Leonardo, Carlos Chammas Filho, Marcelo Feller e muito outros, não menos importantes) a ministrar essas aulas. Todos sócios ou associados de importantes escritórios de advocacia criminal deixamos nossas bancas para, ao invés de criticarmos com as nádegas na cadeira, tentarmos algo, senão importante, iniciante para a retomada de processo interrompido décadas atrás com o esquecimento sistemático das lições positivistas — e em nosso país de seu maior representante, Roberto Lyra. Dizia o mestre: para se pensar o problema penitenciário é preciso ouvir quem mais entende sobre ele — os presos.
Tenho para mim: esse foi o mais agradável momento de minha vida profissional. Aprendi nas conversas com os presos a importância de um verbete, uma palavra, dita pelas mesmas bocas chamadas pela sociedade de vagabundas: trabalho. Todos, no marasmo de um sistema que só isola, anseiam por trabalho sistematizado e por oportunidades quando saírem de lá. Senão, estão conscientes: terão que voltar ao crime.
Desde então tenho pensado nisso. O que fazer? Qual a importância do trabalho e educação para o sistema prisional? Trabalho e educação: sem dúvida, sinônimos de dignidade na sociedade contemporânea, e que respondem, veementemente, a três das primeiras assertivas acima elencadas.
O preso tem o direito de trabalhar e estudar, e é avanço da ciência penal a liberdade de escolha do preso sobre essas questões. Foi-se o tempo dos trabalhos forçados, tão caracterizados pelas bolas de aço nos pés e sol escaldante sobre as cabeças (e as maravilhosamente tristes, work songs).
O sistema idealizado pelos precursores do penitenciarismo útil, ou seja, de um sistema de penas que faça retornar à sociedade, sem riscos, seus membros judicialmente isolados por um tempo, calcou-se na idéia da recuperação desses presos para que, terminado o período de trabalho e educação, estivessem aptos ao retorno. Fruto isso da repugnância à pena de morte, tão salutar.
Como então impor o trabalho como método de recuperação, sem forçadamente fazê-lo?
Parece-me simples a resposta: receberão tratamento ressocializador (progressão de regime, liberdade condicional, indultos etc.) os que se decidirem pelo trabalho e educação.
Um falso homicida passional cumprirá 15 anos de sua pena, em sua inteireza, ou escolherá pelo trabalho e educação — e com isso, os benefícios da atenuação no regime da reprimenda — como forma de se verificar sua aptidão ao convívio social?
Quererá ser solto após quinze anos, ou intentará retornar aos poucos, tendo como chave da cadeia o trabalho?
E o traficante? Geralmente pequeno traficante, que recebeu pouquíssimas condições sociais durante a infância, não se interessará pela chance de socialização e de “diminuir” seu tempo de regime fechado? Oito anos ali ou dois, saindo com uma oportunidade de emprego?
E qual o efeito sobre os que saírem? Voltarão ao crime, sabedores que se presos, cumprirão suas penas integralmente, ou que terão de passar anos trabalhando se intentarem diminuí-las?
Será o trabalho contra-impulso psicológico à dita vagabundagem? Penso que sim. O dito popular parece ser mesmo a voz de Deus.
O trabalho socorrerá aos próprios presos, que arcarão com sua alimentação e vestes, além de auxiliar seus familiares - o que hoje é obrigação do Estado e acarreta custos elevados.
Por outro lado, empresas disporão de mão de obra sem encargos trabalhistas, mas se comprometerão a ter em seus quadros parcela dos egressos que ressocializou, sob pena de não mais atuarem tão relevantemente para sua comunidade. Os custos serão ínfimos para o Estado, que deverá apenas custear a segurança das penitenciárias – que se diga, será menos necessária graças às cabeças cheias não mais oficiosas ao diabo!
Simples assim. Trabalho e educação. Como fazer? Questão de sentarmos todos e instrumentalizarmos caminhos.
Com trabalho se justificará a progressão de regime e os instrumentos de ressocialização, além de diminuir os custos dos presos para quase zero - se participantes grandes empresas que realmente se interessem pela melhora de nossa segurança pública.
Nem se diga sobre a transformação do sistema em si: de inútil a útil num piscar de olhos.
E os que hoje são futuros soldados do crime organizado (os ladrõezinhos que assim entram, mas que saem seqüestradores profissionais) estarão enfileirados num outro exército: o do trabalho e cultura.
Não pensem no que escrevo como uma novidade. Só é meu jeito de pedir a aplicação rígida, o pulso firme da Lei — com uma ou duas adaptações que me permito fazer. Mas a lei, que poucos sabem existir em nosso país.
Ou isso, ou atrasados em relação ao resto do mundo, ficaremos aplaudindo guerras; necessárias guerras, mas sempre abomináveis guerras.
Revista Consultor Jurídico, 15 de janeiro de 2011
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