terça-feira, 15 de outubro de 2013

Sociologia e filosofia


Como não poderia deixar de ser, surge uma nova reação contra a decisão do Conselho Nacional de Educação que, em 2006, instituiu a volta da Sociologia e da Filosofia ao currículo das escolas de ensino médio brasileiras, Esta reação agora vem de São Paulo, mais precisamente do Conselho Estadual de Educação que, em parecer aprovado em julho de 2007, considera que a norma nacional é uma ingerência indevida e uma violação da autonomia dos Estados. Em decorrência, orienta as escolas paulistas que ignorem a determinação do CNE. Embora surpreendente, ainda mais vinda de um Estado que há poucos anos tomou a iniciativa de implantar essas disciplinas na grade curricular das escolas públicas, essa reação não chega a ser de todo espantosa.
A luta pela permanência dessas disciplinas no currículo do ensino médio é tão antiga quanto os ataques desferidos contra elas. No período da ditadura militar, aulas de Sociologia e de Filosofia eram consideradas verdadeiros “ninhos de comunistas subversivos”. Muitos professores e seus alunos foram alvos preferenciais de perseguições e ameaças. O cerco foi tal, que essas matérias foram desaparecendo, tanto das escolas públicas quanto das particulares. Resultado: houve uma diminuição da demanda por docentes especializados, atrofia dos cursos de formação e das licenciaturas nessas áreas, assim como uma redução das atividades de pesquisa e de produção de livros e materiais didáticos. Mais recentemente, nos anos 90, auge do pensamento e das práticas ditas neoliberais, as disciplinas voltaram a ficar na mira de medidas de caráter restritivo.
A luta pela permanência dessas disciplinas no currículo do EM é tão antiga quanto os ataques desferidos contra elas
Afetados pelas idéias de uma educação meramente utilitária e tecnicista, currículos foram adaptados para assegurar apenas o que se considerava como “o mais necessário” aos jovens cuja formação em nível médio depende das escolas públicas. A receita geral foi oferecer mais aulas de disciplinas ditas instrumentais, como Português e Matemática, e menos aulas de conteúdos voltados a uma formação crítica e humanista. Ou seja: uma educação pobre para os pobres. Autoridades educacionais brasileiras, freqüentemente aconselhadas por tecnocratas de instituições internacionais de apoio e fomento, construíram e impuseram matrizes curriculares que consideravam mais simples, objetivas e adequadas ao perfil típico dos alunos de escolas públicas. Mesmo em São Paulo, o maior estado brasileiro em termos econômicos, a referida autonomia foi utilizada para impor uma brutal reorganização curricular do ensino médio que acarretou a supressão de milhões de aulas de História, Geografia, Artes e, como não poderia deixar de ser, o desaparecimento de milhares de aulas remanescentes de Sociologia e Filosofia. A justificativa é que não cabia tudo no pouco espaço/tempo escolar disponível e, então, seria preferível concentrar os esforços somente em conteúdos e habilidades mais úteis à escolarização dos estudantes. Porém, para lástima daqueles burocratas da educação, nem bem dez anos foram necessários para que se constatasse que algo não deu certo. Dados e análises do Sistema de Avaliação da Educação Básica produzido pelo MEC/ INEP passaram a revelar uma realidade implacável: de 1995 para cá, a qualidade da educação dos jovens brasileiros não parou de cair. Em 2005, os dados mostram que apenas 7% dos estudantes que concluíam o ensino médio apresentavam proficiência em Matemática tida como “adequada”. Enquanto isso, incríveis 70% receberam a classificação de nível “crítico ou muito crítico”. Da mesma forma, o domínio dos conteúdos e habilidades em língua portuguesa revelou-se deplorável. Não é de se estranhar que, ano após ano, o desempenho educacional dos jovens brasileiros se posicione nos últimos lugares nas avaliações internacionais, como o PISA.
Evidentemente, esse quadro não se deve à falta que fazem os conhecimentos de Filosofia e de Sociologia na formação dos jovens. Mas a ausência dessas matérias é explicada pelo empobrecimento deliberado das condições de ensino e aprendizagem vigentes no contexto da educação básica brasileira. O descompromisso das elites dominantes, que ao longo da história tomaram decisões sobre a prioridade a ser dada à educação, chega às raias da irresponsabilidade para com o futuro da nação. Se não, vejamos.
Apesar de nosso atraso e das deficiências acumuladas, cuja superação exigiria um empenho maior do que o normal, apenas 3,5% do PIB brasileiro é destinado à educação. Menos que nossos vizinhos como Chile e Argentina. Bem menos do que o investido pelos chamados países ricos (todos investem mais que 5%). Na verdade, em termos de PIB, o esforço direcionado para a educação é simplesmente a metade dos 7% preconizados no Plano Nacional de Educação. O investimento por aluno/ano no ensino médio brasileiro, cuja responsabilidade de oferta pública é dos governos estaduais, é de US$ 1.008,00 enquanto na Alemanha chega- se a US$ 9.835,00. Portanto, dez vezes mais. Argentina, Chile e México, também nesse caso, investem mais que o dobro do Brasil.
Baixos investimentos resultam em precárias condições de acesso e permanência. Enquanto nos Estados Unidos e no Japão 80% dos jovens e adultos já concluíram o nível médio ou mais, no Brasil essa etapa só foi completada por 30% dessa população. E na faixa etária de 15 a 17 anos, apenas 45% estão, de fato, freqüentando o chamado colegial. A maioria está atrasada, não chegou lá ou abandonou os estudos. É o resultado de escolas desestimulantes e de condições econômicas e sociais precárias.
A falta de prioridade, claro, afeta os profissionais da educação. Estudo recente da Câmara de Educação Básica do CNE chega a falar em risco de “apagão do ensino médio” quando constata a escassez de professores para essa etapa. Com um salário em torno de R$ 944,00, professores brasileiros no ensino médio recebem ¼ da remuneração dos seus colegas sulcoreanos e 1/3 dos espanhóis. A conseqüência é que não se consegue atrair jovens para o exercício do magistério. E os poucos que se formam escapam para outro ramo na primeira oportunidade. Não é que faltam professores de Filosofia e de Sociologia para lecionarem nas nossas escolas. São raros, é fato. Mas também não há licenciados suficientes em Física, Química, Matemática, Educação Artística, Inglês etc. E a situação se agrava quando sabemos que 60% dos 2,5 milhões de professores estão mais próximos de sua aposentadoria do que do início da carreira. O quadro é grave, sem dúvida, mas tem solução; e é bom reparar que algumas medidas vêm sendo tomadas, várias delas contidas no recente Plano de Desenvolvimento da Educação, que, entretanto, ainda padece de sustentação financeira adequada.
Uma completa, ampla e sólida formação básica das nossas crianças e jovens a par de políticas que façam do magistério uma alternativa profissional e de vida capaz de atrair os melhores entre os melhores são condições indispensáveis ao desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Por tudo isso, não cabem recuos em relação a avanços como a permanência da Filosofia e da Sociologia na formação da nossa juventude, da mesma forma que é preciso agir rápido para assegurar as condições políticas que garantam o conjunto das outras providências necessárias a uma educação de qualidade para todos.
Cesar Callegari é sociólogo, membro do
Conselho Nacional de Educação, presidente do
Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada- IBSA e
Secretário de Educação de Taboão da Serra-SP.
Foi secretário executivo do Ministério da Ciência
e Tecnologia, deputado estadual por dois
mandatos e presidente da fundação para
o Desenvolvimento da Educação


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