segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Organizações sociais intensificam protestos contra leilão de Libra

A proximidade da 11ª Rodada de Licitação de Petróleo e Gás, marcada para 21 de outubro, vem aumentando a mobilização de dezenas de organizações populares. Além de acampamentos no Rio de Janeiro e em Brasília, os movimentos vêm realizando paralisações e atos públicos com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para o tema.



A principal reivindicação das entidades é o cancelamento do leilão, que colocará à disposição das petroleiras o Campo de Libra.



Em uma carta entregue à presidenta Dilma Rousseff, mais de 80 organizações alertam que o processo será vantajoso apenas para as companhias transnacionais. “A entrega [de Libra] para essas empresas fere o princípio da soberania popular e nacional sobre a nossa mais importante riqueza natural que é o petróleo”, diz o documento.



11 empresas, incluindo a Petrobras, se inscreveram para participar do leilão de Libra, a primeira área do pré-sal sob o regime de partilha de produção. Localizado na Bacia de Santos, o campo possui uma área de 1.458 quilômetros quadrados, que guardam até 14 bilhões de barris, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP).



Seu valor está estimado em cerca de 1,5 trilhão. Sozinho, o campo equivale a mais de 80% de todas as reservas provadas da Petrobras descobertas ao longo dos 60 anos de atuação da empresa.



“Esse é um tema que tem a ver com a nossa soberania, não dá para privatizar uma riqueza tão importante para o nosso país”, destaca o secretário nacional de Finanças da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Quintino Severo. “Vamos estimular as mobilizações em todo o Brasil para pressionar o governo a retirar de pauta o leilão”, completa.



Além da suspensão da 11ª Rodada, os movimentos reivindicam que a Petrobras fique responsável pela exploração do Campo de Libra.



O vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet) e do Clube de Engenharia, Fernando Leite Siqueira, lembra que a descoberta do campo ocorreu graças ao trabalho da empresa brasileira, que explorou a área por meio de cessão onerosa. Os trabalhos de pesquisa e medição custaram pelo menos R$ 200 milhões à Petrobras. “Não se leiloa petróleo já descoberto, se leiloa área para ser pesquisada. Esse leilão não tem nenhum sentido”, diz Siqueira.



De acordo com o artigo 12 da lei 12.351/2010, que instituiu o regime de partilha, a União pode entregar diretamente à Petrobras, sem necessidade de licitação, uma área considerada estratégica - aquela que não oferece riscos e apresenta alto retorno – exatamente ocaso de Libra, segundo Siqueira.



Prejuízos



O argumento do governo em defesa do leilão de Libra é que sua exploração renderá recursos que serão usados nas áreas de educação (75%) e saúde (25%). De acordo com o modelo de partilha, a empresa vencedora destinará ao poder público entre 10 e 15% de cada barril extraído.



O montante das verbas a serem utilizadas em políticas sociais, no entanto, é contestada pelo integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) João Pedro Stedile. Ele alerta que do máximo de 15% obtidos de cada barril só 5% correspondem à União – o restante será dividido entre estados e municípios, que não necessariamente investirão em melhorias para a população.

Ele recorda ainda que as empresas descontam o custo real de produção da extração, diminuindo o montante a ser repassado ao Estado, que ficará com apenas metade do petróleo.



“Na prática, estamos entregando 50% de todo o petróleo do pré-sal para as empresas estrangeiras, que o despacham para seus países sem pagar mais nada, nem impostos e nem royalties”, enfatiza.



“É uma áreas das mais estratégicas, com um volume grande de petróleo de altíssima qualidade, estudada pela Petrobras. Por que agora entregar grande parte disso para as empresas, sejam estatais ou privadas de outros países?”, questiona o membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Gilberto Cervinkski.



A falta de investimentos das empresas no país também é apontada pelo secretário do Sindipetro-RJ e da Federação Nacional do Petróleo (FNP), Emanuel Cancella. “Nenhuma dessas empresas construiu nenhuma refinaria, navio, sonda, plataforma no Brasil até hoje. Que desenvolvimento vão trazer para o nosso país?”, indaga.



Além da apropriação das riquezas nacionais, Quintino Severo destaca os prejuízos do ingresso de empresas estrangeiras no país para a classe trabalhadora. Ele afirma que são constantes as denúncias de precarização das condições de trabalho impostas pelas transnacionais – piores que as da própria Petrobras, que há tempos é alvo de denúncias de sindicatos.



“Elas [empresas] vêm aqui, exploram petróleo e levam para fora. Sequer a mão de obra brasileira qualificada utilizam para fazer a exploração de petróleo. Para os trabalhadores só fica o prejuízo”, ressalta o sindicalista da CUT.



O coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Antônio de Moraes, critica também a falta de diálogo do governo com os movimentos sociais. “Ausência de debate é característica de quem não tem como explicar para a sociedade por que mantém o leilão”, resume.



Pressões externas



Apesar das críticas o Executivo se mantém firme na realização do leilão. Emanel Cancella lembra que o governo tem sido alvo de diferentes pressões das empresas estrangeiras. “Há uma pressão internacional muito forte para ela [Dilma] realizar o leilão e ela está cedendo”, diz.



Em fevereiro deste ano, a retomada dos leilões foi destaque no Congresso Mundial de Petróleo, realizado no Rio de Janeiro, que contou com a presença do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Também neste ano o país recebeu o vice-presidente estadunidense Joe Biden e o secretário de Energia daquele país, Ernest Moniz, ambos interessados em firmar “parcerias” com o governo brasileiro para exploração do pré-sal.



Os interesses estrangeiros se confirmaram com as denúncias de espionagem contra a Petrobras e contra a própria presidenta Dilma, reveladas em agosto.



Gilberto Cervinski, do MAB, atribui ainda a insistência do governo à crença de que, com a licitação, será possível resistir à crise internacional. “O governo vê no leilão uma forma de aquecer a economia”, avalia o militante do MAB, que vai além: “A estratégia deles está sendo apenas pensada para a vitória eleitoral do ano que vem”, completa.



“A Dilma disse na sua campanha que o petróleo não pode ser entregue a empresas estrangeira. Esperamos que o governo caia em si e cumpra as suas promessas”, diz Fernando Siqueira. A assessoria de imprensa da presidenta Dilma Rousseff não retornou as mensagens do Brasil de Fato enviadas por correio eletrônico.



Bônus pagará juros da dívida



Além de royalties pela exploração do petróleo, o leilão de Libra renderá um bônus de R$ 15 bilhões, que serão pagos à vista pela empresa vencedora da licitação. De acordo com a lei 12.351/ 2010, parte dos recursos devem ser enviados ao Fundo Social, contribuindo para programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento. A intenção do governo, porém, é usar o valor integral do bônus para o pagamento dos juros da dívida pública.



A meta de superávit primário de 2013 para o setor público consolidado era de R$ 155,9 bilhões no início do ano, ou 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Devido a dificuldades econômicas, o índice foi reduzido para 2,3%. De acordo com o ajuste, o governo central (Tesouro, Previdência Social e Banco Central) precisa entregar R$ 63 bilhões e os governos regionais, R$ 47,8 bilhões.



Como estados e municípios não deverão atingir a meta, o Executivo anunciou que fará um corte extra no Orçamento deste ano no valor de R$ 10 bilhões para garantir os resultados. O valor do bônus de Libra representa, sozinho, 14% da meta que o governo central prometeu cumprir, sem nenhum desconto.



“Vai se rifar um patrimônio equivalente a trilhões para se conseguir mais dinheiro para pagar a questionável dívida pública”, destaca o economista Rodrigo Ávila, da associação Auditoria Cidadã da Dívida.



A análise é compartilhada pelo vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet) e do Clube de Engenharia, Fernando Leite Siqueira. “Você tapa um buraco do superávit primário para pagar juros aos bancos e vende o futuro do país. É inaceitável”, critica.



O valor total das dívidas externa e interna do país, de acordo com a entidade, já ultrapassa 3 trilhões de dólares. Em 2012, os recursos para juros e amortização da dívida absorveram 43,98% dos recursos federais – contra 4,17% da Saúde, 3,34% da Educação e 0,7% dos Transportes. Para o próximo ano, a previsão orçamentária indica que 42,42% do orçamento será consumido pela dívida – um valor que corresponde a R$ 1,002 trilhão.



Em vez de destinar o montante ao pagamento da dívida, o integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, defende que a União utilize os recursos para investir na exploração do pré-sal.



“O BNDES tem uma política de crédito para tantas empresas privadas. Por que não poderia emprestar para a Petrobras?”, questiona.



Como o Campo de Libra possui 14 bilhões de barris, na prática, o governo receberá pouco mais do que R$ 1 por barril – no fechamento desta matéria, o preço do barril estava cotado em 107,75 dólares, o equivalente a R$ 238,55.



“Em uma só semana de crise cambial o governo gastou 100 bilhões de dólares. Como justifica agora leiloar o maior campo de petróleo do mundo por R$ 15 bilhões? Não tem sustentação”, afirma o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Antônio de Moraes.


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