domingo, 16 de dezembro de 2012

Único morador ficou em cidade-fantasma japonesa para cuidar de animais

Com a explosão da usina atômica de Fukushima, os moradores deixaram Tomioka para se protegerem da radiação.






Naoto Matsumura é o último sobrevivente do acidente nuclear de Fukushima, que deixou 20 mil mortos. O repórter Roberto Kovalick foi até essa terra proibida, condenada pela radiação.
Na sexta-feira, a mesma região do Japão foi atingida mais uma vez por um forte terremoto.
Uma terra abandonada, onde as marcas do terremoto do ano passado ainda estão por toda a parte. Nem um sinal de vida. Tomioka é uma cidade fantasma, por causa do medo da radiação. Ela fica numa área proibida, que pouca gente tem autorização para visitar.
A cidade foi esvaziada quando a usina atômica de Fukushima explodiu, logo depois do terremoto e do Tsunami.
O governo estabeleceu zonas de exclusão, onde ninguém poderia ficar. Hoje, a proibição total permanece para um raio de 20 quilômetros em volta da usina.
Nós conseguimos autorização para entrar e seguimos pela estrada que costeia o mar até Tomioka, que fica a 12 quilômetros da central nuclear.
Tivemos que tomar algumas precauções. A roupa protege contra poeira e outras substâncias contaminadas. É importante proteger os sapatos, já que a radiação se concentra no solo.
A partir de um ponto só podemos permanecer por algumas horas. Na barreira, os policiais são rigorosos.
Seguimos por uma estrada quase vazia. Os únicos carros e caminhões são usados para transportar funcionários e equipamentos até a usina atômica, que já está bem perto.
Na rua principal de Tomioka, a imagem da cidade vazia impressiona, assim como o silêncio total. Parece cenário de um filme, um daqueles filmes de ficção em que o personagem principal acorda um dia e descobre que o resto da humanidade desapareceu. Ele foi o único que sobrou.
Mas não é filme! Esse homem existe. Naoto Matsumura, de 53 anos, o único morador da zona de exclusão. Nós o encontramos trabalhando e sem roupas de proteção.
“Deixei de me preocupar com a radiação”, diz ele.
O medidor de radiação informa que o nível está 20% acima do permitido para áreas habitáveis.
É proibido morar aqui, mas as autoridades não têm como tirá-lo à força.
Naoto, que é separado da mulher e tem dois filhos, nos leva para mostrar o motivo por que arrisca a vida. Ele morava com os pais, que criavam javalis. Os animais morreriam se fossem deixados para trás. Por isso, decidiu ficar. E acabou cuidando também dos bichos de estimação dos antigos moradores de Tomioka. Eles foram abandonados quando todos fugiram da contaminação. Na época, milhares de animais foram sacrificados pelo governo japonês - assim não levariam a radiação para outros lugares.
Foi Naoto que salvou esses bois e vacas, que vagavam pelo meio da cidade. Agora eles são alimentados diariamente, mas nem o leite nem a carne podem ser consumidos por causa da radiação. Naoto diz que vai cuidar deles até que morram de causas naturais.
“Vou tomar conta deles porque são sobreviventes do acidente como eu. Somos companheiros da tragédia. Quero mantê-los vivos como uma forma de protesto contra a energia nuclear”, diz Naoto.
Naoto encontra bichos perdidos até hoje. Este assustado cachorrinho apareceu uma semana antes da nossa entrevista. E também animais bem exóticos, como avestruzes que pertenciam a um criador, que vendia a pele e a carne.
Naoto conta que eles estavam perdidos perto da estação de trem.
“Peguei os dois no colo e trouxe dentro da minha caminhonete. Claro que levei muitas bicadas e o carro ficou cheio de marcas”, conta Naoto.
Não é fácil viver tão isolado. A água vem de uma fonte das montanhas que, segundo Naoto, foi testada e não está contaminada. Ele, porém, não se arrisca a plantar ou colher nada. Dentro de casa, há caixas e mais caixas de comida desidratada e industrializada, tudo que ele come há quase dois anos.
“Não aguento mais comer isso”, diz ele.
Naoto vive de doações que recebe de organizações de proteção aos animais do Japão e até do exterior.
“No começo eu tinha medo da radiação, uma ameaça invisível. Mas não quero deixar o lugar onde nasci e fui criado. Se isso acontecer, será o meu destino”, diz Naoto.
Se o nível de contaminação seguir caindo, há planos para repovoar Tomioka em cinco ou seis anos. Até lá, Naoto enfrentará o risco da radiação. Tendo os animais que salvou como únicas companhias.

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