segunda-feira, 2 de maio de 2011

Visita ao presídio das cabeças cortadas-O trato era esse: dinheiro na conta, brinquedos na mão

Já faz maisde 150 dias desde o motim do presídio S.Luís onde morreram 18 presos com vários deles decapitados. A secretária de segurança afirmou categoricamente que o motim teve intervenção externa, um agente administrativo foi preso acusado de introduzir armas no presidio, a secretaria de segurança iniciou as investigações e continuou afirmando que houve intervenção externa, para concluir o inquérito de mais de 900 páginas faltaria a quebra de sigilos telefônicos.
Aqui neste blog reproduzimos um relato minucioso do Dep. Fernando Gabeira, que visitou o presídio logo após achacina,o relato é forte ,detalhado, revelador.






o trato era esse esse: dinheiro na conta, brinquedos na mão.

Assim um prisioneiro de Pedrinhas, no Maranhão, contou o inicio do motim que resultou em 18 mortes e três cabeças cortadas.

Os brinquedos eram, um revólver 38 e um 22. O sol nasceu às 5h3om e havia muita excitação no Presídio de Pedrinhas, com 5800m2, distante 28 km de São Luís. Na hora em que sol seria oferecido a todos, Honey Boy e Diferente, os dois líderes do motim renderam o guarda e o grupo de dez prisioneiros tomou conta do anexo de segurança máxima. Não havia plano de fuga, apenas uma difusa vontade de quebrar a cadeia e chamar atenção. Dizendo-se oprimidos pela falta de água, que durava 25 dias, pelos maus tratos, qualidade da comida e todos os itens que assombram os presídios brasileiros, os presos sentiram um grande impulso de vingança. Pouparam o agente penitenciário, por um instinto de sobrevivência, e partiram para matar os alemães.




Dentro do presídio havia muitas rótulos, alemães eram antigamente moradores de um bairro de São Luis que tinham pele mais clara. A rivalidade entre bairros da cidade estava presente. Havia ainda a luta com vários mortos entre os da capital e os da baixada. Baixada no Maranhão é principalmente a Baixada Ocidental, uma região de campos gerais tomadas pelos búfalos.


Mas a fúria do grupo que tomou o presídio atropelou inclusive as explicações. Entre os 18 mortos havia gente tanto da capital como da baixada. E nenhum estuprador. Os boatos e fotos macabras que circularam na internet afirmavam que foram pênis e enterrados na boca. Isso também não aconteceu, apenas uma fantasia em torno de cabeças cortadas.




Thoreau, o escritor americano, dizia que era preciso visitar a cadeia para conhecer a sociedade. Naquele tempo não havia Google. Nem YouTube


Visitei muitas cadeias, estive preso em algumas delas. Cobri pela televisão o sorteio da morte na Lagoinha, em Belo Horizonte. Os presos sorteavam um deles, matava-o e lançavam o corpo fora. Também visitei o Carandiru quando houve o massacre. Mas agora estava diante de massacre de presos por presos.



Quando entrei na quente manhã de quinta-feira no presídio de Pedrinhas, sabia que estava diante do inexplicável. Soldados com fuzis Mauser, da I Guerra Mundial, agentes com espingarda 12 de cano cortado, e um grupo especial, com uma grande bolsa preta a tiracolo, cheia de balas de borracha, nos esperavam na entrada.


O objetivo era o anexo de segurança máxima, lá onde as grades estão acima do corredor e há pesadas portas de ferro onde aparece a face do preso. Nosso caminho inicial eram os que viviam em regime semi-aberto, os detidos em xadrez comum, e, finalmente, o do motim, onde estão os presos mais perigosos.



A diferença visual entre um e outro: no xadrez comum onde há superlotação, 12 pessoas por 10 m2, a lembrança será a sempre a coreografia dos braços para fora. E desta vez a confirmação de algo que já observara no Rio: são cada vez mais jovens.




Na entrada de segurança máxima mostraram o lugar onde estavam as cabeças cortadas. Diferente e Honey Boy andavam com as cabeças na mão para impressionar os negociadores, que não sabiam quantos mortos havia lá dentro. Dentro da segurança máxima os rostos apareciam ora para silenciosamente mostrar suas marcas ou para reafirmar as reclamações sobre água, comida, banho sol, assistência jurídica – enfim o que se ouve na maioria dos presídios. Um deles chegou a fazer uma rápida preleção sobre o dever da sociedade em mantê-los com dignidade.




O que torna possível um motim é o acumulo de pequenos problemas que não se resolvem. Uma boa parte dos presos sonha em sair pela porta da frente. Só se aderem em momentos em que a situação se torna insuportável. Nesse sentido, o motim de Pedrinha é como os outros.


Mas tem um componente político. Há luta pelo espaço na Secretaria de Segurança. Faltou água 25 dias porque a bomba queimou, misteriosamente, nove vezes nesse período.


Esses fatores todos explicam a possibilidade do motim. Talvez não tenha sido difícil achar alguém para trazer as armas, pois armas e drogas entram fácil por ali. Há apenas um velho e inoperante detector de metais. Um dado deve ter orientado os detentos. Entre os agentes havia que sempre colocava anúncios para fazer o plantão de outros, por R$ 80. Devem ter descoberto aí alguém em busca de dinheiro.



Colhemos apenas um relato de testemunha ocular. Mas ela não explica as mortes. Apenas conta o que viu: o grupo dominando o agente e, em seguida, um rápido tiroteio, e os amotinados partindo para buscar seus inimigos. Um dos mortos, Spike, era evangélico e morreu porque um dos líderes não gostava dele. Os outros, Bigode, Quequé, Gaguinho, Cagão, Guri foram tombando um a um. Primeiro eram imobilizados e com armas artesanais eram golpeados mais de 50 vezes. Quando estavam mortos ou agonizando Elmar, um índio guajajara, abriu o canivete e disse: agora vou fazer o que gosto. E cortou as três cabeças.



Os amotinados se uniram para matar e mesmo conversando com eles não se consegue entender. Eles se portarão como leões enfurecidos. Talvez um inquérito feito pela Policia Federal que produziu alguns relatórios de inteligência, se desdobrado pudesse jogar um pouco mais da luz no tema. Há uma prática entre alguns agentes de terceirizar a morte dos presos que, por alguma razão, detestam. Eles fazem isto deslocando-os para xadrezes onde estão os mais ferozes. E o fazem sempre indicando que eram colaboradores da policia. Esse processo de execuções, acontece aos poucos e ao longo do tempo.

Talvez a sensação de que uma prática aceita pelas duas partes de que matar outro preso não é crime tenha impulsionado o motim para o ponto de menor resistência. Para onde dirigir o ódio? Contra os agentes, significa retaliação violenta? Contra o presídio? Há pouco o que fazer com as mãos nuas contra estrutura metálicas.

Os presos matarem seus inimigos pessoais porque sabiam que eles eram a parte mais fraca. Alguns disseram que a escolha era punir estupradores porque queriam algum tipo de simpatia. E talvez soubessem também que em muitos lugares ao saberem que 18 presos tinha sido mortos pelos próprios companheiros, haveria um suspiro de alivio.



Como dizia Thoreau é preciso ir à cadeia. Não para experimentar complexo de culpa mas para demonstrar que embora inexplicável esse tipo de fatos pode ser reduzido dramaticamente.

Em primeiro lugar, etapa que o Brasil pode cumprir rápido, enquanto não acha alternativas decentralizantes, é criar um serviço de inteligência para monitorar os presídios. Basta ter um grupo de analistas, questionários diários para serem respondidos. Nosso sinal amarelo já teria sido acionado muitas vezes com 25 dias de água.

Outra importante experiência, que existe hoje na Inglaterra é continuar monitorando os presos, mesmo depois de condenados. Através do processo de entrevistas e observações e medidas adequadas, é possível reduzir a criminalidade dentro do presídio.

Isto talvez seja caro demais para as imensas dificuldades do sistema penitenciário. Mas uma inteligência anti-motim talvez se pague. Numa dessas explosões, em São Paulo, os prejuízos foram de R$ 32 milhões. E o detonador era o problema com a comida.

Ao me afastar da comissão para colher a imagem de uma cela destruída, no pavilhão dos presos de regime semi-aberto, distanciei-me da comissão e os próprios presos me indicaram o caminho de volta, por uma porta que dava para o campo de futebol. É por aqui coroa, apontavam solícitos. É isto, vamos envelhecendo e certas repetições macabras, ainda não conseguimos evitar.
Fonte : http://www.gabeira43.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário