domingo, 3 de julho de 2011

A cultura da prisão

por : Felix valois

Inutilmente, eu sei, mas, por todos os meios ao meu alcance, tenho seguidamente alertado para o perigoso fenômeno que chamo de “cultura da prisão”, irresponsavelmente difundido no País, qual praga bíblica.

Explico-me: nos Estados Unidos da América (e onde mais?) surgiu, há coisa de duas décadas, um movimento intitulado “lei e ordem”, que, em síntese apertada, nada mais é que a “tolerância zero”, aplicada ao direito penal. A infeliz ideia foi de pronto acatada pelos neonazistas de plantão no mundo jurídico brasileiro e se tem refletido numa avalanche de leis incriminadoras, a atingir condutas sem qualquer relevância. A aplicação de penas graves e elevadas é outro reflexo desse modismo.

Para os juristas responsáveis o “lei e ordem” é coisa de maluco. Dessa trincheira de resistência surgem, por vezes, agradáveis novas, como é o caso da Lei 12.403, de 4 de maio deste ano e que entrará em vigor na próxima segunda-feira, dia 4 de julho. Ela altera dispositivos do Código de Processo Penal, “relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares” e busca, em última análise, dar concretude à garantia constitucional da presunção de inocência, segundo a qual ninguém deve ser preso antes de que se torne definitiva e irrecorrível uma sentença condenatória.

Simples como isso. Mas foi o bastante para atiçar as gralhas. O site Migalhas, por exemplo, publicou o pronunciamento de um promotor do sul do país, segundo o qual “agora vai ser quase impossível prender alguém”. Não deve ter tomado o remédio todo, ou pelo menos não na dose correta, o autor dessa pérola. A nova lei não extingue a prisão preventiva nem essa excrescência chamada prisão temporária. Apenas permite ao juiz que, no curso do inquérito ou do próprio processo, ele se valha de outras medidas acauteladores, de tal maneira que a prisão antes da condenação só seja aplicada em casos extremos e inevitáveis.

Isso é profundamente saudável. Não se trata, insisto, de buscar a lei o objetivo de diminuir a população carcerária. Esse pode ser um efeito secundário, na medida em que, dispondo de outras alternativas, o magistrado poderá não decretar novas prisões com a mesma intensidade do sistema anterior, bem como é possível que sejam revogadas prisões preventivas já decretadas. Aí reside o avanço da inovação legislativa.

Como repito didaticamente para os meus alunos: nenhum ser humano nasce preso. A liberdade é a regra. É atributo essencial da própria vida. Se, eventualmente, tem que ser restringida por questões de conveniência do pacto social, que o seja com responsabilidade e na medida do estritamente necessário. O contrário é fascismo disfarçado, ou aberto mesmo, dependendo da ousadia e da desfaçatez do pregoeiro do cárcere como solução final e definitiva para todos os problemas da humanidade.

É lamentável que tenhamos chegado ao ponto de discutir coisas tão óbvias. Mas tenho que terminar: prisão nunca resolveu nem vai resolver coisa nenhuma.


Fonte:http://blogs.d24am.com

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