quinta-feira, 6 de março de 2014

Cada um com o seu terrorismo



http://oglobo.globo.com/opiniao/cada-um-com-seu-terrorismo-11794976

A França viveu um período de terror sob o manto de Robespierre, que legitimava os seus atos em nome da liberdade, igualdade e fraternidade

O significado de terrorismo é complexo. Apenas para pincelar a dificuldade do tema, basta lembrar que grandes potências que hoje se declaram aliadas na “guerra contra o terror” já o praticaram. Muitas delas inaugurando amplas democracias graças, e justamente, a este instrumento — naquilo que atualmente se denomina “terrorismo de Estado”.. Os Estados Unidos, ao detonarem duas bombas atômicas em uma guerra já acabada, também agiram sob tal conceito. E Israel só se tornou possível após a Segunda Guerra graças aos atos terroristas impostos à Europa. Os exemplos só demonstram que não se pode falar de “terrorismo” com base no “estado de terror” que se abateu sobre o mundo após os atentados de 11 de setembro de 2001. Tal discurso, propagado à exaustão pela mídia, banalizou o assunto.





Daí a preocupação com a Lei Antiterrorismo que tramita no Congresso, pois “provocar terror ou pânico generalizado”, como dita a legislação em análise, é tanto a consequência de um ato terrorista em si quanto de um arrastão nas areias de Ipanema. Para piorar, a trágica morte do cinegrafista da Bandeirantes, em um ato claramente selvagem, mas nem de perto parecido com “terror”, fez com que o Legislativo imprimisse urgência à aprovação da legislação.

Mais uma vez, reage-se a uma situação de violência com a esperança de que novas leis e penas mais árduas consigam evitar sua repetição. Partindo do pressuposto de que tal “remédio” é escolhido por deputados e senadores há décadas, sem nenhuma espécie de resultado frutífero, resta a pergunta: até quando tomaremos o remédio errado, somente por não sabermos qual o correto?

A lei está mal formulada. A descrição do delito é aberta, sujeita a qualquer espécie de interpretação. Isso, no Brasil, é traumático na medida em que manchetes geram prisões, como se a satisfação da opinião pública fosse o objetivo maior a ser alcançado pelo Poder Judiciário. Nada se descreveu senão o óbvio. Assim, cada juiz pode dar uma sentença, quadro que somente agrava a sensação de injustiça.

Para piorar, a lei diz que não constitui crime de terrorismo a “conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade”, misturando conceitos sociais com jurídicos, em uma verdadeira salada da qual, ao fim, ninguém irá gostar. Por exemplo, pergunta-se: os movimentos sociais dos sem terra, dos encapuzados, as greves ilegais da polícia (que são responsáveis por terror e pânico generalizado), se enquadram em tal conceito? Invadir o gramado do Planalto, participando de uma passeata onde alguns apenas gritam, mas outros depredam, coloca todo e qualquer participante na mira das novas punições? Não há pressa pela resposta, pois não será boa. O melhor seria que esta lei amadurecesse um pouco mais antes de ser posta em vigência.


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