sexta-feira, 26 de novembro de 2010

“Hoje o Carandiru é aqui”

“Hoje o Carandiru é aqui”

Entrevista de Raimundo Martins ao Jornal Vias de Fato .
O inspetor penitenciário raimundo martins  servidor   a 22anos do sistema penitenciário dá uma entrevista  elucidativa sobre a crise no sistema penitenciário maranhense,  fala de  mortes, superlotação, necessidade de proteção dentro do carcére, de facções, descasos com presos, falta de água , e os motivos da última rebelião, o referido inspetor  é graduado pela UFMA em economia  e  é membro do conselho estadual de direitos humanos, reproduzo a referida entrevista  a seguir.



Ele é inspetor penitenciário e trabalha há 22 anos neste sistema. Antes, foi agente penitenciário. Trabalha em Pedrinhas e acompanhou de perto a trágica rebelião de presos, ocorrida no início do mês e que deixou um saldo de 18 mortos. Seu nome é Raimundo Martins. Foi vice-presidente do Sindicato dos Servidores do Sistema Penitenciário do Maranhão e, antes, havia sido presidente da Associação dos Agentes e Inspetores Penitenciários do Maranhão. Ele hoje é membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos. Também participa do Fórum Estadual dos Direitos Humanos. Leia a nossa entrevista com Martins.

Vias de Fato - Em sua opinião O que motivou, realmente, a rebelião?

Martins - Nos últimos 25 dias estava sem água na penitenciária. Estavam colocando água com carro-pipa, pagando um preço caríssimo. Esta carnificina é um acúmulo de descasos. A maioria dos presos vem de municípios em que as cadeias foram arrebentadas com rebeliões, caso de Santa Inês, Pinheiro, Imperatriz, entre outros. Existem muitos presos na capital, tirando pena, e seus processos continuam no interior. Isto é um descaso absoluto do Judiciário. A superlotação é outro problema grave e motivo de muita reclamação dos presos e dos familiares. Existe também muita queixa, inclusive para a Comissão de Direitos Humanos da OAB, contra o agente penitenciário Aufrânio que responde como diretor de segurança.

Vias de Fato - Qual foi a pauta de reivindicações? A versão oficial do governo de Roseana diz que não havia uma pauta de reivindicações.

Martins – Havia sim uma pauta. Um dos itens é transferência para os seus municípios. A lei de execução penal garante que o preso cumpra sua pena o mais próximo de sua família e, no Maranhão, é o contrário. Mais de 60% estão na capital.

Vias de Fato - Em sua opinião, qual o maior descaso do poder público em relação ao Sistema Prisional e a Penitenciária de Pedrinhas? E as maiores agressões aos Direitos Humanos?

Martins - Existe todo tipo de descaso que vocês possam imaginar. O governo não tem uma política pública criminal e penitenciária clara e duradoura. Hoje, tivemos este problema, mas a cada mês, é morto um preso nas unidades. Agora, o Carandiru é aqui. Portanto, a maior violação são as mortes, fora a superlotação em algumas unidades e a tortura como crime abominável e cotidiano. É a barbárie instalada. Hoje, vimos três cabeças decepadas. Já havia acontecido no governo da própria Roseana, mas, não como esta carnificina de agora.

Vias de Fato – Houve algo de diferente em relação a rebeliões anteriores?

Martins – Sim. Por exemplo, não sei ainda como se deu, mas eu nunca tinha visto preso balear um agente penitenciário. Já havia furado com estilete. Mas, agora, um colega levou dois tiros e foi levado para o São Domingos, o Estado não pagou e ele teve que ser levado para o Hospital do Servidor. Lá foi outro descaso. Estou falando de um ser humano, de um trabalhador que está atuando há 17 anos no sistema penitenciário.

Vias de Fato – Fale sobre este agente baleado.

Martins - Trata-se do nosso companheiro Raimundo, o Dico. Ele foi baleado na coluna. Corre o risco de ficar paraplégico. Com 17 anos de serviços prestados ao sistema penitenciário, foi tratado pior que um porco. Ele foi baleado às nove da manhã e só foi operado de madrugada. Isto é uma vergonha. Espero que ele não seja mais uma vítima do descaso do poder público.

Vias de Fato - O que mais está te impressionando neste episódio?

Martins - O amontoado de presos sendo jogados pelos próprios colegas de cárcere. São todos pobres, lascados e as famílias pobres querendo notícias do lado de fora. No meio disto, um carnaval de descaso de várias autoridades incompetentes. Para mim, é a barbárie. É a idade média em pleno século 21!

Vias de Fato - Em sua opinião existe uma crise no Sistema Penitenciário maranhense?

Martins – Sim, com toda a certeza. Trabalho há 22 anos no sistema e nunca tinha visto tal degradação. Fugiu do controle. Hoje, no Maranhão, existe uma terceirização na área de segurança. Com o Raimundo Cutrim, isto foi utilizado para angariar votos. É gente que está trabalhando dentro da penitenciária e fez curso só de uma semana. A empresa que trabalha aqui veio do Ceará. Lá, o Ministério Público e a OAB entraram na Justiça e derrubaram a terceirização. Na área de segurança, não pode haver terceirização. Tem que haver concurso.

Vias de Fato - Para você, além do Governo do Estado, quem tem mais responsabilidade nesta crise?

Martins - Além do governo, acho que o carcomido Poder Judiciário também é responsável pela degeneração do nosso sistema prisional.

Vias de Fato - Num mês, você calcula quantas pessoas chegam ao Sistema prisional do Maranhão?

Martins - No nosso sistema, ou melhor, nas nossas masmorras, chegam mais de 200 presos por mês. Calcule isto durante um ano. São indivíduos, sentenciados ou não, que mais cedo ou mais tarde, alcançarão a liberdade e retornarão ao “convívio social”. Nesse percurso, entretanto, dois novos fenômenos se farão sentir: uma parte significativa dos egressos do sistema penitenciário terá criado novos vínculos delituosos por compromissos firmados dentro do cárcere.

Vias de Fato - Explique isto melhor.

Martins – Hoje, é muito comum condenados que atuavam isoladamente, passarem a atuar de forma organizada, dentro dos presídios, onde, mesmo por uma questão de sobrevivência, precisam da proteção de uma ou outra facção. Esta nova situação oferece aos presos uma nova identidade social que garantirá as suas atividades ilícitas quando saírem em liberdade. Portanto, pela forma como o sistema funciona hoje, estamos pagando muito caro para tornar estes homens mais violentos. É isto que acontece hoje no Maranhão.

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