quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

pronunciamento de gilmar mendes









PRONUNCIAMENTO DO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL E DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, MINISTRO GILMAR
MENDES, NA ABERTURA DA JORNADA CIENTÍFICA DO COMITÊ
PERMANENTE DA AMÉRICA LATINA PARA REVISÃO DAS REGRAS
MÍNIMAS DA ONU PARA TRATAMENTO DOS PRESOS.
BELÉM (PA), OUTUBRO DE 2009.

 o pronunciamento do ex presidente do stf  gilmar mendes  no jornada cientifica  do comitê permanente da américa Latina para revisão das regras  minimas para tratamento de preso, mais que um  pronunciamento é uma aula sobre  a situação do sistema prisional do país,  suas mazelas   expostas em 3 d's ,mas também demonstra o quanto já foi feito e quanto ainda falta fazer .Apartir dos mutirões e da cpi carcerária   as masmorras brasileiras foram expostas, éum desafio  ao estado democrático de direito reverter  a situação que  hoje  persiste  nos campos de concentração brasileiro. vale a pena  rever o discurso  do ministro .






Senhores
Dado o avançar do tempo, não pretendo alongar-me. Nada
obstante, a par da grande satisfação em participar de evento desse
jaez, é mister que registre a extrema pertinência de uma iniciativa
que, em tão oportuna hora, vem corroborar o acerto da política de
controle e fiscalização ora desenvolvida pelo Conselho Nacional de
Justiça exatamente no intuito de adequar o sistema carcerário pátrio
à exigência do atendimento a esse patamar de regras mínimas para
tratamento de prisioneiros.
A esta altura, já ninguém desconhece a realidade dos
presídios brasileiros, evidenciada ao país pelos Mutirões
Carcerários, um dos primeiros projetos implementados pelo CNJ
dentro do amplo conjunto de medidas que compõem o programa
Começar de Novo.
As deficiências havidas no nosso sistema prisional são de
toda ordem e refletem o estado de degradação em que se encontra:
desde o lixo acumulado à infestação por ratos; denúncias de maustratos
e agressões sexuais, corrupção de agentes públicos, abusos
de autoridade, tudo agregado à ociosidade, à revolta mal contida de
presos muitas vezes barbarizados, num inevitável caldeirão de
turbulências que não raro explode em rebeliões, motins e violência
gratuita. A essa miríade de problemas se sobrepõem custos
elevadíssimos de manutenção de presos, falta de assistência
jurídica, frontal e rotineiro desrespeito à Lei de Execução Penal.
Nesses mutirões, não foram poucos os flagrantes de
ilegalidades: casos de presidiários cujas penas de há muito já se
tinham extinguido, porque integralmente cumpridas; de pessoas
inocentes há anos à espera de julgamento; de indiciados
encarcerados, por meses, anos, sem a formalização sequer da
denúncia e ainda dividindo a cela com criminosos de alta
periculosidade; de indivíduos presos preventivamente por prazo
superior à pena atribuída aos crimes a eles imputados; de
apenados com doenças infecto-contagiosas ou mesmo moribundos
sem qualquer registro de tratamento médico.
A boa notícia, senhores, é que o trabalho desenvolvido
nesses mutirões, à guisa de holofotes sobre essa escuridão de
irregularidades, começa a reverter esse quadro de resistente
imobilidade, derrubando as apostas na ineficiência crônica do
sistema embasadas no descrédito quanto à capacidade do Estado
de sair da letargia secular que conduziu a essa realidade de
prisões-calabouços. Até porque, mais do que em qualquer tempo, o
Brasil potência de hoje não combina com tais espécies de
arcaísmos, sobretudo se confrontados com a revolução tecnológica
que convulsiona o mundo inteiro.
Em síntese apertada, em um ano pouco mais de um ano de
trabalho, os Mutirões já resultaram na libertação de 12.039 presos,
18% do total de casos examinados, 67.336, em dezessete Estados
da Federação. Fosse somente um, simplesmente um só homem
liberto porque preso injustamente, já teria valido a pena todo o
esforço porque, além de não haver como mensurar o valor de um
único dia de liberdade, estar-se-ia reiterando o apreço da nação à
higidez do Estado de Direito.
Assim é que, voltado inteiramente a dar efetividade às leis de
execução penal - e, portanto, a mudar a realidade da situação
prisional do país, o programa Começar de Novo compreende
também as ações direcionadas à reinserção social dos egressos,
capacitando-os profissionalmente, de modo a facilitar-lhes a entrada
no mercado de trabalho. Ainda ontem celebrou-se acordo técnico
entre o CNJ e o Comitê Organizador Brasileiro da Copa 2014 para a
garantir aos egressos treinamento e ocupação de postos de
trabalho nas obras relacionadas com a Copa. Ademais, os próprios
órgãos do Judiciário, estimulados pela Resolução n° 21 do CNJ,
vêm dando exemplo à sociedade, admitindo egressos para
execução de serviços de apoio administrativo por meio de
convênios com as secretarias estaduais.
O programa abrange também a criação de núcleos de
advocacia voluntária, voltados ao atendimento de presos de baixa
renda, uma forma de assegurar a expansão do acesso à Justiça.
Todo o esforço dessa autêntica campanha do CNJ, destinada,
em última análise, a tornar concretos e cada vez mais efetivos os
princípios e as garantias constitucionais vigentes, haverá de
continuar produzindo decisivos efeitos até que, ultrapassada a
etapa em que sobressai a urgência de corrigir tantas e tão
ultrajantes irregularidades, possa se restringir a profiláticos
procedimentos de rotina. E tal desiderato não tarda, a julgar pelo
entusiasmo que se percebe nos operadores do Direito: todos os
dias se têm notícias de forças-tarefas promovidas pelos vários
segmentos que compõem do sistema de Justiça brasileiro, a
exemplo dos mutirões realizados pelas defensorias públicas em
diversas unidades da Federação.
É o que ouso denominar de efeito-dominó do bem, o
movimento pela cidadania plena que cresce alimentado pela força
dos resultados que, por sua vez, apóiam-se na crença de que é
possível mudar até o imutável, desde que se assuma a própria
parcela de responsabilidade na transformação almejada.
Obviamente, muito há ainda por fazer, por realizar, de modo a
se exaurir, de uma vez por todas, esse tão obsoleto quanto
ineficiente padrão de funcionamento que tanto emperrou o sistema
prisional brasileiro.
Repito: também aqui não se contentará o Judiciário com
medidas emergenciais. O escopo que se persegue com a
obstinação de quem sabe estar seguindo a trilha certa é o correto
cumprimento da lei penal, garantindo-se aos presos desde
tratamento digno, até a efetiva recuperação social dos egressos,
com plena e produtiva reintegração à comunidade.
Não são, de forma alguma, desígnios utópicos. Basta ver o
quanto foi feito em tão pouco tempo.
De modo algum aqui se cuida de decisões volitivas, de
veleidades temporárias, mas da inescusável obrigação de se zelar
pela efetividade do diploma constitucional pátrio, cujo escorreito
cumprimento é a única medida capaz de balizar a real observância
do Estado Democrático de Direito, a duras penas conquistado pelo
povo brasileiro e, sem dúvida alguma, a maior glória, a maior
riqueza, a maior honra.
Muito obrigado a todos.

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