sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

'Busquei o corpo na Argentina', diz amigo e ex-contador de Jango no RS

Luthero Fagundes diz ter ouvido relatos de João Goulart sobre ameaças.
Devolução dos restos mortais emociona aposentado, 37 anos depois.





O homem que conta ter ajudado a conduzir no dia 6 de dezembro de 1976 o corpo do ex-presidente João Goulart de Mercedes, na Argentina, até São Borja, pisará novamente no cemitério Jardim da Paz, no município da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, 37 anos depois. Um dos raros amigos de Jango ainda vivo em São Borja, Luthero Fagundes, de 89 anos, reviverá a partir das 16h30 desta sexta-feira (6) uma história ainda sem desfecho diante do jazigo da família Goulart, onde os restos mortais ex-presidente serão depositados.

Fagundes foi contador de Jango, além da amizade que tinha com o líder. Sobre as razões da perda do amigo, ele suspeita de assassinato cometido por agentes das ditaduras uruguaia e argentina, em colaboração com o governo brasileiro. O fato é atualmente alvo de investigação do Ministério Público Federal (MPF), motivo pelo qual o corpo foi exumado e passou por perícia em Brasília.

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Mesmo com hotéis lotados, feriado para Jango divide São BorjaRestos mortais de Jango retornam para São Borja em avião da FABCongresso anula sessão que depôs João Goulart da Presidência em 1964Convocado para prestar auxílio neste mês à investigação do Ministério Público Federal que determinou a exumação, Fagundes diz ter frequentado periodicamente a fazenda onde o ex-presidente residia na Argentina após o Golpe militar de 1964, e garante ter levado pessoalmente dinheiro a Jango no Uruguai.

"Em 1976, ele estava muito preocupado com a situação dele. No princípio do ano, quando derrubaram Isabelita Perón (então presidente, deposta por um golpe militar em março daquele ano). Ouvi dele que, em um hotel no Centro de Buenos Aires, militares armados advertiram o 'doutor Jango' que na Argentina ele correria risco de vida. Tanto ele como a família dele", contou, ao receber o G1 em sua casa.


Ao longo desta quinta-feira, últimos preparativos
foram realizados para o segundo enterro de
Jango (Foto: Estêvão Pires/G1)"E certa vez perguntei: o que o senhor vai fazer se tem problemas na Argentina? Ele disse: 'o que vou fazer? Não sei o que fazer", relembra. No ano da morte, Fagundes diz que as visitas eram frequentes. Em alguns períodos mensais, em outros semanais. O hoje aposentado relata que, na época, além de atuar como contador, assumiu a pedido de Jango a administração das propriedades rurais do ex-presidente, em São Borja.

No diz 6 de dezembro de 1976, o telefone da casa de Fagundes tocou. "Eram duas horas da tarde. Me ligaram dizendo que ele havia morrido em Mercedes. E ele havia comentado a questão da advertência. Aí rumamos para lá", detalhou.

"A coisa foi tão surpreendente, tão chocante. Um dos detalhes que me chamaram a atenção é que ele estava regurgitando uma substância parda e saía sangue do nariz. As Forças Armadas não queriam que mexesse no corpo. O atestado de óbito dele lavrado por um pediatra de Mercedes mostra que ele morreu por 'enfermedad'. Deixou vago", lembra Fagundes, ao questionar a versão oficial de que Jango teria sofrido um ataque cardíaco.

"Na fazenda, quando chegamos para buscar o corpo, todos estavam estupefatos. Estava lá a Dona Maria Thereza (viúva), o Júlio Vieira, que era capataz, e um rapaz que guiava o carro. Não queriam (os militares) que passássemos na ponte (sobre o Rio Uruguai, na fronteira da Argentina com o Brasil), mas passamos na marra", detalha.

Assim como na entrevista concedida ao G1, Fagundes admite que será difícil conter a emoção nesta sexta-feira. "Doutor Jango entrou no rastro do Presidente Vargas. E como tal ficou um homem querido do povo, principalmente da sua São Borja. Então é uma grande expectativa. Sou de raça chorona", disse, em meio a lágrimas e risos.

Programação
7h: saída dos restos mortais de Jango de Brasília
11h: chegada dos restos mortais a São Borja e traslado até a Igreja da Matriz
12h: abertura da igreja ao público
15h30: missa
16h30: traslado dos restos mortais ao Cemitério Jardim da Paz e segundo enterro
Honras militares em São Borja
A chegada dos restos mortais de Jango está prevista para as 11h no Aeroporto de São Borja, onde militares irão cobrir o caixão com uma bandeira do Brasil, e saudarão o desembarque com tiros de fuzil. De lá, o esquife será levado em cortejo ate a Igreja Matriz do município. No local, haverá visitação do público a partir do meio dia e uma missa deve ocorrer entre 15h30 e 16h30.

Em seguida, o caixão será conduzido até o Cemitério Jardim da Paz, para ser enterrado novamente no jazigo onde no mês passado ocorreu a exumação, com objetivo de desvendar os mistérios que pairam sobre a morte. Indícios de que Jango possa ter sido vítima de envenenamento durante o exílio na Argentina levaram a família de Jango a solicitar ao Ministério Público Federal a investigação.

Entre as autoridades que já têm presença confirmada estão a titular da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, e os senadores Randolfe Rodrigues (PSOL) e Pedro Simon (PMDB), que era amigo de Jango e colaborador do trabalhismo na época da morte. Simon, Maria do Rosário, o prefeito de São Borja, Farelo Almeida (PDT), e João Vicente Goulart, um dos filhos de Jango, discursarão antes da devolução dos restos mortais ao jazigo da família.

Como o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, está na China para compromissos, o presidente da Assembleia Legislativa, Pedro Westphalen (PP), vai representar o executivo gaúcho durante as cerimônias.

Morte no exílio
Jango morreu em 6 de dezembro de 1976 em sua fazenda em Mercedes, na Argentina.Cardiopata, ele teria sofrido um infarto, mas uma autópsia nunca foi realizada. Na última década, evidências levantaram a hipótese de que o ex-presidente tenha sido envenenado por agentes das ditaduras uruguaia e argentina, em colaboração com o governo brasileiro.

A principal delas foi o depoimento dado pelo ex-espião uruguaio Mario Neira Barreiro ao filho de Jango, João Vicente Goulart, em 2006. Preso por crimes comuns, ele cumpria pena em uma Penitenciária de Charqueadas, no Rio Grande do Sul. Disse que espionava Jango e que participou de um complô para introduzir uma substância mortal nos medicamentos que o ex-presidente tomava.

Em 2007, a família de Jango solicitou ao Ministério Público Federal (MPF) a reabertura das investigações. O pedido de exumação foi aceito em maio deste ano pela Comissão Nacional da Verdade (CNV).

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